PARATY (RJ) - Leitores têm o curioso hábito de resumir a bibliografia de um
escritor em poucas idéias, sugestões que indicam as obsessões mais recorrentes
nas obras de um autor. No caso do espanhol Enrique Vila-Matas, que ontem
conversou com a imprensa na Flip sobre seu novo livro, “Ar de Dylan”, e um
pouco a respeito de seus métodos de escrita, a idéia principal seria o
interesse pela própria literatura, incluindo em seus enredos escritores
vagamente perdidos numa realidade às vezes pouco afeita a fantasias literárias.

O livro continua questionamentos presentes em obras anteriores,
especialmente sua curiosa percepção do fracasso, escrevendo sobre a falha humana
como maneira de representar a arte ou mesmo a vida privada. “A fascinação pelo
fracasso é a fascinação pelo negativo, por tudo aquilo que não se fala tanto, o
oposto do que podemos chamar de positivo, o que já conhecemos”, disse
Vila-Matas. “Conhecemos a luz do sol, ela nos é dada, mas não conhecemos tanto
a tormenta. Minha literatura se interessa pelas zonas mais escuras, a outra
cara da realidade”, refletiu.
Vila-Matas parece enxergar a literatura como uma espécie de
procura arqueológica sobre um passado esquecido e ao mesmo tempo vagamente
familiar. “Um escritor é como um espião, que passa horas e horas em frente a
uma janela, embaixo da chuva, e às vezes vê algo, outras não encontra nada. Ele
busca o que ainda não foi encontrado, o que está inconsciente”, sugeriu o
autor.
Ao colocar o escritor dentro do enredo parece natural que a
pergunta seguinte seja: qual o sentido da escrita? “Uma vez passei uma tarde
inteira para escrever uma linha. Tentei algo que foi dar voltas ao redor da mesa
mas não saiu bem. Eu me interrogo sobre o papel da escrita. Um dos meus
trabalhos é manter a memória cultural. Literatura é algo que cada vez mais vai
se perdendo. Por isso me aproximo de escritores que para mim são importantes
manter na memória. Reivindicar através da literatura cânones pessoais, não o
cânone oficial, como Robert Walser, Kafka, uma espécie de crítica literária
feita através da ficção”, comentou o autor, listando autores que geralmente
aparecem em seus enredos.
Ao mesmo tempo essa noção de defesa cultural vem nos termos
pessoais do autor, sem querer apontar uma relação definitiva com a literatura. “Não
há uma verdade única e estável. Minha literatura nunca afirma algo, me dedico a
duvidar de tudo, a fazer um discurso distinto do oficial”, explica.
*Viagem a convite do Itaú Cultural
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