sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Madrinhas à beira de um ataque de nervos

Hugo Viana



Um comentário comum no meio audiovisual é que a produção norte-americana feita para a TV vem sendo nos últimos dois ou três anos mais interessante do que os grandes filmes de estúdio. Um dos responsáveis por esse novo respeito adquirido pelas séries feitas para a televisão é Paul Feig, nome envolvido na direção de programas como "The Office", "Mad Men" e "30 Rock". No cinema Feig não possui a mesma reputação, com poucos filmes desconhecidos no circuito nacional. Seu trabalho mais recente é "Missão Madrinha de Casamento" (Bridesmaids, 2011).

A história é sobre Annie (Kristen Wiig, ótima), mulher solteira perto dos 40 que é escolhida por sua melhor amiga para ser sua madrinha de casamento. Annie não tem qualquer jeito para os negócios e sua pequena loja de bolos acaba falindo. No amor Annie também não é exatamente bem sucedida, o máximo que ela conseguiu em sua vida afetiva foi ser a opção número três do disque sexo de um canalha rico. Tudo fica ainda muito pior quando a noiva a apresenta Helen (Rose Byrne), casada, rica e bonita, que a aterroriza psicologicamente até roubar a posição de melhor amiga da noiva.

O filme é uma agradável surpresa em termos de enredo, uma história sobre personagens femininas na fase adulta, transformando momentos de crise em situações comicamente desastradas. É uma curiosa mistura entre o humor escatológico típico de comédias masculinas como "Se Beber Não Case" e um romance delicado sobre pessoas com pouca aptidão para encontrar alguém especial, sendo a ocasional falta de equilíbrio de ritmo entre essas partes talvez o maior problema do filme. Às vezes esse humor entra com modos brutos numa cena qualquer, surpresa que nem sempre parece bem-vinda

O filme passa a impressão de durar duas ou três temporadas, uma longa jornada que alterna diferentes níveis de interesse, sensação que parece agravada por personagens que somem e reaparecem muito tempo depois, longas pausas dramáticas nos núcleos narrativos, aspectos negativos que normalmente associamos à produção para a TV, que possuem larga duração.

Há também um elenco grande e texto enxuto e bem humorado, outros aspectos que reforçam essa aproximação entre TV e cinema, um caminho que embora seja menos experimental em termos linguagem, é uma opção que pode ao menos trazer elementos um pouco distintos para o antigo gênero comédia romântica.

A nova aventura de Taylor Lautner

Hugo Viana



Atores que chegam à posição de estrelas do cinema comercial possuem certas vantagens no mercado, eles conseguem fazer com que os filmes se encaixem em seus atributos mais populares, e não o contrário. Parece ser o caso de "Sem Saída" (Abduction, 2011), filme aparentemente feito para brilhar o vigor físico de Taylor Lautner, da série "Crepúsculo", e nada mais, sendo dirigido timidamente por John Singleton (ainda lembrado por sua estreia, "Os Donos da Rua", de 1991).

Nathan (Taylor) sente por intuição que não se encaixa em sua família, até que, por acaso, durante uma pesquisa para um trabalho de colégio, ele encontra um site de crianças desaparecidas, com imagens de como elas possivelmente estariam hoje em dia e, para sua imensa surpresa, um desses garotos se parece muito com ele. A partir daí o filme muda o ritmo e entra no gênero thriller de espionagem, claramente influenciado por filmes de Hitchcock, sobre pessoas inocentes sendo perseguidas em busca de fatos pouco importantes, seguindo uma lei informal de ação, um cenário diferente a cada cena.

O filme parece existir apenas em função de Taylor, interpretando um protagonista em boa parte baseado no seu personagem de "Crepúsculo". Nathan é um bem sucedido jovem lutador, temido no colégio pela força e por um temperamento quente, e que costuma vestir apenas jaqueta preta e óculos escuro, andando de moto ou no capô de carros para impressionar meninas do colégio. Algumas cenas são meio que sem explicação filmadas com Taylor sem camisa, caso evidente de filme de ator, modalidade um tanto oca de cinema.

"Sem Saída" possui um enredo que podemos chamar adequado, mediano em qualquer aspecto, um filme sem grandes ambições além de impulsionar a carreira do seu protagonista. Sua existência parece ser uma estratégia para não apenas manter a popularidade de Taylor, jovem ator fraco, mas também antecipar a primeira parte do último filme de "Crepúsculo", que estreia em novembro.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Os fantasmas de Antônio Xerxenesky

Hugo Viana



Antônio Xerxenesky pertence a um grupo bastante variado de escritores, pessoas abaixo de 30 anos, com estilos diferentes, conectados apenas por uma mesma etiqueta gerada pelo mercado editorial, "novos autores". Seu segundo livro se chama "A Página Assombrada por Fantasmas" (Rocco, 128 páginas, R$ 23,50), obra que reúne nove contos, todos baseados em obsessões acionadas pela relação com a literatura. Nessas histórias, pessoas comuns são acossadas por fantasmas literários, perseguições não convencionais e muitas vezes devastadoras que sugerem a literatura como um tipo concreto de predador. Os personagens são escritores, leitores, críticos, estudantes e gente anônima que a cada página passam a desconfiar da palavra. Cada história expõe a permanência assombrada de autores do passado, contos que se pensados como um conjunto único acumulado passam a sensação de um panorama de nostalgia e desilusão, a revisão do passado e a sugestão do futuro literário incerto. Nesta entrevista por e-mail Xerxenesky falou sobre ser um "jovem escritor" e sua relação com a literatura.

Você é um escritor que pertence a uma "nova geração". Achei que seu livro passa a ideia de autor jovem interessado em homenagear cânones: a história da literatura como motivação para a escrita. Gostaria de saber sobre seu interesse em escrever livros sobre literatura, e se Vila-Matas ou Bolaño são de alguma forma referências.
Vila-Matas e Bolaño foram referências inescapáveis na escrita do meu livro. Trabalho com os dois autores no mestrado e isso acabou vazando para a prosa. Assim como eles, também pratiquei uma escrita parasitária, que se alimenta de outros textos e referências. No entanto, sinto que esgotei o que tinha para dizer nesta linha "metaliterária" com "A Página Assombrada por Fantasmas" e não pretendo seguir este caminho no futuro.

O próprio nome do livro comenta diretamente essa proposta de contos que se reportam à literatura: os fantasmas (literários) que assombram suas páginas. Como você explica essa ideia de "assombro"?
Os fantasmas representam uma ambiguidade essencial: eles estão presentes e ausentes ao mesmo tempo. Representam autores que, mesmo que não estejam presentes nas páginas, alteraram e moldaram a visão de mundo dos personagens. Cada conto tem um fantasma específico: Walser, Borges, Bolaño, Marías, K. Dick. Mesmo que esses autores não sejam citados no conto, estão lá, assombrando o universo dos personagens.

Em alguns contos, assim como num texto recente seu ("O Escritor com Adjetivos"), há uma ironia intensa e nem sempre amigável sobre o mercado literário (especialmente o de Porto Alegre). É algo que você intensifica como recurso retórico (ou talvez posicionamento de mercado) ou há um desgosto autêntico nessa relação?
Como você bem apontou, há uma ironia, e a ironia sinaliza um discurso duplo, às vezes ambíguo. Satirizo muitas coisas da cena literária, mas, ao mesmo tempo, faço parte dela. Brinco com a questão da vaidade dos escritores, e, no entanto, como quase todos os escritores, tenho vaidade e ego. Há repulsa, claro, mas esta repulsa também está dirigida a minha pessoa e minhas atitudes.

Gostaria que você falasse um pouco sobre suas impressões do mercado editorial a partir desse rótulo "jovem escritor". O cotidiano de quem vive a partir da escrita.
Em primeiro lugar, é possível viver de literatura, ao contrário do que muitos pregam. Claro, o jovem escritor não se sustentará apenas com direitos autorais, mas pode trabalhar com tudo que existe ao redor: traduções, críticas, orelhas, palestras, oficinas. Envolve muito incômodo? Sim. Mas é possível. E o mercado editorial, acredite ou não, adora um jovem escritor. São eles que movimentam a mídia e as redes sociais. Apesar de todas as reclamações, é fácil bancar o papel do jovem escritor. Difícil deve ser habitar o rótulo de "velho escritor".

Há uma certa desilusão na sua representação de literatura? Tive essa sensação quando pensei sobre os contos como um conjunto único, o futuro proposto em "Sequestrando Cervantes", as escolhas de Charles Mankuviac, a neurose fornecida pela literatura em "A Morta Viva", a sensação de mudanças e passagem do tempo em "No Segundo Andar"...
Sim, sem dúvida. Um descontentamento com as limitações da literatura, a separação entre literatura e vida... Neste livro, a desilusão surge em várias formas. Além de todos esses que você mencionou, o tema está presente em "Amanhã, Quando Acordar". A desilusão aparece quase como uma espécie de réplica àqueles que defendem que "todos deveriam ler", que "ler nos torna mais humanos". A leitura pode ser muito destrutiva, pode nos isolar do mundo.

Alguns dos contos são escritos em primeira pessoa, recurso que quase sempre faz o leitor pensar na pergunta: é biográfico? Embora isso seja claramente impossível em alguns (como um que a primeira pessoa é uma mulher de 40 anos), em outros, como "Algum Lugar do Tempo", há forte sensação de lembranças pessoais misturadas à ficção. Essa é uma fronteira que lhe interessa?
Sinto um estranho prazer em enganar o leitor. Gosto de dar a impressão de que o que está sendo narrado é sobre a minha vida ou reflete minhas opiniões, mas isso quase nunca acontece. A única exceção está justamente em "Algum Lugar no Tempo", um conto completamente autobiográfico. Por isso o conto está no centro do livro: é um pequeno castelinho de sinceridade no meio de um deserto de ironia. Mas não importa se é fato ou ficção. O importante é ser um bom conto, atingir o leitor, comunicar algo.

Em seu livro também há algumas amarguras destinadas à crítica literária, ironias sobre certas recorrências negativas na escrita analítica. Como é sua relação com a crítica?
Apesar de todas as minhas chicotadas no livro, adoro crítica literária. Inclusive, acho que tenho mais futuro como crítico do que como escritor. Acho que a crítica literária, inclusive a praticada no jornal, deveria ser mais interpretativa. Focar mais em oferecer leituras possíveis das obras avaliadas, não só atuar como um guia de compras. Não vejo muito sentido, também, em escrever críticas detonando obras. Os livros ruins merecem o silêncio, não a atenção. O espaço da crítica nos suplementos culturais já é exíguo, então vale muito mais a pena chamar a atenção para o que o crítico considera valioso.