sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Todos os dias de uma tragédia romântica

Hugo Viana



Um aspecto muitas vezes decisivo para o sucesso de comédia ou drama romântico é o par central, a interpretação do casal protagonista, os personagens cujo envolvimento emocional iremos acompanhar durante a sessão, e não parece ser exagero notar que se esses atores não alcançarem êxito máximo tudo em volta está em estado de alerta com risco de não dar certo.

"Um Dia" (EUA, 2011), dirigido pela dinamarquesa Lone Scherfig, baseado no best seller escrito por David Nicholls, um desses livros que apostam numa atmosfera popular de amor doce amargo, tem como protagonistas Anne Hathaway e Jim Sturgess, dois jovens atores que já desempenharam esse mesmo tipo de papel, mas neste filme parecem um tanto esmaecidos, sem o apelo decisivo que estrelas devem naturalmente possuir.

O filme narra 20 anos na vida de Emma (Hathaway) e Dexter (Sturgess), de 1988 até 2008, sempre no mesmo dia, 15 de julho. Eles começam a conversar na noite de formatura do colégio, e numa aventura fria, sem muita desenvoltura ou triunfo, eles tentam dormir juntos. Enquanto Emma está nervosamente decidida a despertar um inédito ímpeto sexual, tendo secretamente sempre desejado Dexter, ele meio que quer ir embora, não inteiramente decidido a transar com ela, embora ficar com mulheres durante apenas uma única noite seja uma de suas especialidades como jovem rico e bonito.

Anne e Dexter seguem amigos e se lembram com carinho dessa noite não exatamente bem sucedida, mantendo o dia 15 de julho como um reduto exclusivo deles, conversando por telefone, carta, ao vivo ou apenas lembrando a existência mútua. Tudo segue uma rotina normal de comédia romântica até que numa noite, sozinhos numa piscina, preparação absoluta para uma grande declaração de amor, Dexter, num acesso inesperado de honestidade, revela sua paixão irrestrita por todas as mulheres do mundo ("Todo dia é como se eu tivesse saído da prisão"), e então o filme emenda uma longa jornada dramática, descrevendo o sofrimento dos dois por não ficarem juntos.

Essa história tem então alguns altos e muitos baixos, uma sequência eterna de erros emocionais, em geral da autoria de Dexter, que vai gradualmente se tornando um tipo escroque de vilão, escolhendo sempre as piores opções disponíveis, uma programada autodestruição destinada ao aprendizado. Algo que parece intensificado pela estrutura narrativa do filme, a ligação linear entre anos diferentes, as emoções fortes dos equívocos constantes, tudo rigidamente endereçado à lição final, talvez exemplo de roteiro preso ao livro original.

O final revela um interesse pesado de buscar emoção evidente, convencer que este é um melodrama de grandes proporções, levando os personagens ao inferno das lembranças, em especial através da sugestiva imagem de uma colina, com personagens deitados sobre a grama, enquanto imagens de amores desfeitos voltam para gerar lágrimas, escolhas nunca realmente satisfatórias.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

A terrível semelhança entre ficção e realidade

Hugo Viana



O escritor russo Vladimir Nabokov (1899-1977) criou um desses personagens que parece uns tantos anos à frente da moral de seu tempo, superou qualquer expectativa cética e se tornou um verbete fixo no dicionário de palavras sensuais; "Lolita", a imagem de uma não tão doce inocência sexual, é o nome do livro mais conhecido de Nabokov, escrito em 1955 e adaptado para cinema de alto ou baixo nível figurativo, TV, literatura, teatro.

Antes desse livro, um documento sobre a obsessão de um homem adulto, um professor de literatura e seu desejo sexual por uma menina de 12 anos, Nabokov já tinha escrito alguns bons textos, obras sem o mesmo alcance definitivo de "Lolita", mas ainda assim, quando observadas hoje, com o devido distanciamento, parecem revelar um tipo discreto de grandeza, talvez sem a ambição de permanência na história, mas sem dúvida publicações que asseguram um lugar de importância para o autor.

Um bom exemplo é "O Olho" (112 páginas, R$ 24,90), escrito em 1930, lançado pela Alfaguara. O livro narra a história insólita de Smurov, um homem não versado nas artes masculinas, um tipo discreto de perdedor constante. Ele é seduzido por Matilda, mulher casada, e quando finalmente penetra em ambientes moralmente condenáveis, o marido dela, um homem educado, de bengala, que tinha como costume, antes de falar, limpar a garganta com um rápido pigarro, num acesso de raiva o humilha violentamente.

Incapaz tolerar a vergonha, Smurov decide, ainda no começo, tirar sua própria vida, atirar em si mesmo como forma de punição. A partir daí o livro muda de rumo, se transforma num interessante exercício narrativo, seguindo a suspeita instável da dúvida: estaria Smurov de fato morto, descrevendo fatos criados por sua mente numa pós-existência ironicamente parecida com a vida terrena, uma réplica de uma sociedade turbulenta, ou seria ele o protagonista de uma rede de espionagem secreta, um russo fugindo de sua nação em guerra?

O livro tem uma conexão com o momento em que foi escrito, o fim dos anos 1920, contexto no qual a Rússia passava por duras mudanças em seu projeto político, do czarismo a uma tentativa de ditadura do proletariado. A família de Nabokov fugiu para a Alemanha, em 1919, durante a Revolução Russa, algo que está de certa forma presente neste livro, a crise gerada pela ausência e o humor devastador da fuga.

Esse humor vem com mais astúcia na construção sólida de seus personagens, a capacidade de relatar cinicamente o cotidiano de pessoas a partir de pequenos detalhes. As pessoas que estão próximas ao protagonista são comicamente descritas com raiva insuspeita; Matilda é uma "dama roliça, desinibida, de olhos bovinos", Evgenia é uma "moça com um belo rosto quadrado que fazia pensar em um afável e bem-apessoado buldogue", Tio Pasha é um "alegre cadáver de terno azul, com caspa nos ombros, barba feita, sobrancelhas fartas e prodigiosos tufos de pelos nas narinas", humor que de alguma forma torna explícito uma amarga tensão social, um olhar frio para a burguesia.

Na primeira página o autor escreve algo que parece revelar bastante de seu estado durante a escrita, falando sobre Smurov, um imigrante russo em Berlim que trabalha como tutor para uma família russa "que ainda não tivera tempo de empobrecer e subsistia na fantasmagoria de seus antigos hábitos de São Petersburgo", exemplo de ironia confessional bem direcionada. Há um desgosto bem humorado no livro, várias passagens em que uma mão pesada claramente trata com humor negro personagens que evitam confrontar o fantasma da história, os medos gerados pela mudança.

sábado, 24 de dezembro de 2011

4. As companhias de Joca Terron

Hugo Viana



Alguns autores escrevem sobre a própria literatura, publicações que remetem à história das palavras e também, como consequência natural, em grande escala, à formação pessoal enquanto leitor. É o caso de Joca Reiners Terron em "Não Há Nada Lá" (Companhia das Letras, 160 páginas, R$ 24), livro lançado originalmente em 2000, mas publicado novamente neste ano pelo selo Má Companhia. Terron escreve uma espécie de quebra-cabeças literário, montando um panorama sem regras em que grandes artistas ou personalidades excêntricas como William Burroughs, Jimi Hendrix e Aleister Crowley habitam tempos diferentes. Essas referências sem ligação aparente são definidas pelo critério exclusivo de Terron, que parece escrever sobre heróis e vilões de sua formação, as vidas imaginárias de pessoas que influenciaram sua prosa. É um pequeno livro ambicioso que transgride sem qualquer exagero certas convenções da literatura, invertendo a ordem narrativa ou tornando as palavras turvas, impossíveis de ler, um tipo severo de intervenção no texto. Sobre o livro, o escritor Enrique Vila-Matas comentou: "Este livro pertence à mais exigente das minhas bibliotecas e é adequado para se viajar às províncias nas quais se admite o passaporte shandy. Nesses lugares, chegar com 'Não Há Nada Lá' só traz vantagens, permite bons alojamentos e as melhores companhias sempre que saibamos a contrassenha: 'O importante não é saber, e sim ter o telefone daquele que sabe'".

domingo, 18 de dezembro de 2011

O humor crítico de Thomas Bernhard

Hugo Viana



Algo mais ou menos recorrente, embora quase nunca inteiramente divulgado, é o ocasional desacordo, ou mesmo as brigas enfurecidas, que acontecem entre os agentes do meio literário, as pessoas que movimentam o mercado, escritores, editores, jornalistas, críticos.

São pessoas que nos bastidores entram em choque efetivo por formas diferentes de entender a literatura, uma divergência que mesmo sem rastro de manifestação pública interfere diretamente em aspectos políticos da cultura, como os autores eleitos em premiações e os livros que serão escolhidos para publicação.

Esse assunto é o tema de "Meus Prêmios" (Companhia das Letras, 104 páginas, R$ 33), de Thomas Bernhard (1931-1989). O livro, escrito no início dos anos 1980 e publicado apenas em 2009, é composto por nove textos, cada um descrevendo situações imprevisíveis que aconteceram na época em que Thomas foi premiado.

Há também a reprodução de três discursos de agradecimento dessas conquistas, as circunstâncias um tanto tensas em que foram escritos, as críticas ao governo em geral enfáticas que Bernhard ressaltava quando subia ao púlpito, e ainda um último ensaio detalhando o desligamento do escritor da Academia de Língua e Literatura.

Bernhard nasceu na Holanda, mas muito cedo se mudou para a Áustria, nação que de certa forma se tornou assunto opressor de seus textos, sendo um exemplo perfeito do artista amplamente criticado na região em que morou (em especial por nomear abertamente pessoas com poder não inteiramente honestas ou deficiências do país), mas bastante respeitado (e premiado) em outros lugares

Bernhard inicia cada comentário relatando aspectos de sua vida pessoal, pequenas tragédias pessoais ou satisfações de boas vitórias, um pouco como contos autobiográficos, e então encaminha comicamente o texto apontando incoerências da política cultural austríaca, absurdos analisados pelo autor com o distanciamento do humor.

Bernhard fala sobre premiações, indústria, jornalismo, política, a versão definitivamente irônica da história literária da Áustria, e então ele parece marcar sua posição de mercado como um tipo de escritor proscrito, alguém que critica abertamente e com severidade insuspeita de autor machucado as condições políticas pouco favoráveis de seu país.

Não há nada burocrático nos ensaios de Bernhard; cada texto possui 10 ou 15 páginas, comentários escritos no ritmo do texto de ficção, num único e enorme parágrafo, o que sugere uma certa urgência para finalmente falar sobre certos fantasmas do passado (a maioria dos textos descreve casos que ocorreram durante os anos 1960). Bernhard escreve em primeira pessoa, um "eu" que parece atestar uma grande proximidade não inteiramente livre dos assuntos descritos.

Visto como um conjunto único de relatos o livro parece destacar através do humor o que há de picareta não apenas no meio literário austríaco, mas também nos mecanismos da política cultural do país, redes de relações que possuem implicações não inteiramente compreendidas. O mérito de Bernhard parece ser justamente a capacidade de reforçar que há algo errado no setor em que trabalha usando como arma de ataque as palavras, pelas quais acabou premiado.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

3. Cinema adaptado para a literatura

Hugo Viana



Existe no Rio Grande do Sul, talvez com um pouco mais de presença editorial e força conjunta de mercado do que em outros estados, um grupo de jovens escritores que vem publicando livros com certa frequência - em geral, projetos autorais ou obras coletivas com temas criativos, fora da rota tradicional do meio literário. Um desses grupos se reúne na Não Editora, espaço dedicado a lançar obras alternativas desses "jovens escritores", etiqueta gerada pelo setor editorial que garante uma certa distinção ao autor e à obra. O lançamento mais recente deles é "24 Letras por Segundo" (192 páginas, R$ 32), organizado por Rodrigo Rosp. O livro tem o curioso interesse de levar às páginas 17 contos baseados no estilo de diretores de cinema contemporâneos que os fascinam. Temos releituras pessoais de escritores como Bernardo Moraes (que escreve baseado em Quentin Tarantino), Reinaldo Pujol Filho (irmãos Coen) e Antônio Xerxenesky (Hal Hartley), entre outros, e cada um defende, num parágrafo, o motivo de escolha de determinado diretor, uma pequena carta confissão de um fascínio cinéfilo. Como é comum numa coletânea tão diversa quanto esta, há ótimos contos e outros nem tanto. O que realmente vale parece ser uma experiência diferente de literatura, um exercício apaixonado que tenta unir as imagens do cinema ao texto escrito. Não apenas os contos, mas o próprio livro simula um VHS velho, apresentando informações como se a obra fosse um filme.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Crônica de um amor em fuga

Hugo Viana



A Companhia das Letras tem uma coleção chamada "Amores Expressos", em que a editora banca a viagem de um escritor para alguma cidade do mundo, e a experiência é depois publicada na forma de história de amor. O sexto livro lançado é "Nunca Vai Embora", de Chico Mattoso (R$ 34), autor enviado para Cuba. "Passei um mês em Havana, enchi um caderno de anotações, registros objetivos do que estava vivendo", diz Chico. O livro é um pouco como uma crônica de amor jovem, sobre a geração que está perto dos 30 e anda um tanto perdida. O protagonista é Renato, dentista que larga o pai dominador e as ambições frustradas em São Paulo para viajar com a namorada, Camila, para Cuba, onde ela pretende fazer um documentário sobre a impossibilidade de registrar a realidade, uma representação um tanto irônica sobre as obsessões do documentário contemporâneo. No meio do livro temos a sensação de que tudo é revirado pelo gênero policial, e a autoestima frágil do protagonista passa a vagar por ruas apertadas, bares vagabundos, quartos mofados e encontrar personagens ambíguos, obcecados por investigações. Nesta entrevista por e-mail, Chico fala sobre sua relação com a ficção, detetives e lembranças pessoais.

Você tinha ideia de como seria o livro antes da viagem? A experiência em Cuba modificou seus conceitos iniciais?
Eu tinha uma ideia básica antes de sair do Brasil, mas sabia que pouca coisa se manteria. A experiência de estar imerso naquele ambiente, de vivê-lo com algum grau de proximidade, transforma sua noção sobre as coisas. Não mudam necessariamente as ideias, mas mudam as impressões.

O livro é narrado em primeira pessoa, e certas passagens parecem talvez autobiográficas, ou ao menos levemente inspiradas em lembranças pessoais. É possível medir isso durante o processo de escrita ou é algo que vem naturalmente?
É difícil fazer essa separação. Objetivamente o livro não tem quase nada de autobiográfico. O narrador é muito diferente de mim, e as coisas que ele vive não se parecem em nada com o que eu já vivi. Mas é claro que isso vem sempre vazado de dados, objetivos ou não, da experiência do autor. Toda ficção se alimenta de uma mistura gosmenta de memória, invenção e intuição.

O narrador é um tanto careta, observa a "classe artística" com alto grau de cinismo. Tive a impressão que ele poderia ser o namorado de Vicky, no filme de Woody Allen, "Vicky Cristina Barcelona". Quando fala com Camila e os amigos dela, parece que ele conversa com uma fauna curiosa de pessoas, que se comunicam através de frases de efeito. Como foi construir essa relação?
É interessante essa comparação. O narrador, de fato, observa Camila e seus colegas à distância, num tom generalizante e cínico. Conheço muita gente do meio cinematográfico, e a maioria não se parece com os personagens do livro - nem minha visão sobre eles. Mas há aqueles mais deslumbrados, que elaboram para si uma espécie de máscara arrogante e superficial. Todas as áreas artísticas têm esse tipo de figura, e sempre tive a sensação de que essas pessoas poderiam render bons personagens. Gosto da mistura de ingenuidade, prepotência e paixão que eles têm, acho que tem algo de muito humano nisso.

O livro parece ter duas narrativas bem divididas. Na primeira é como se estivéssemos numa viagem sem rumo pela autoestima frágil do protagonista, e você estabelece isso através do pai dominador, das ambições frustradas, da relação ambígua com Camila, de fascínio e raiva. Depois entra um tom de gênero, de narrativa policial, de busca, pistas e investigação. Queria saber como você pensou essa divisão.
O livro tem esses momentos bem marcados, é verdade. A divisão nasceu naturalmente, me pareceu a coisa certa a fazer enquanto escrevia. Quando Camila desaparece, Renato é largado no mundo, tem que lidar diretamente com as próprias obsessões. Mas ele não sabe se relacionar com isso sozinho. Precisa de alguém que o guie. A narrativa que se segue tem uma aparência detetivesca, mas só na superfície, já que não é a busca que está em jogo, e sim os motivos que levam o protagonista a embarcar nela.

Ultimamente venho pensando que a estrutura do "detetive" pode ser muito útil como metáfora para obsessão, para traumas não resolvidos. Você usou códigos do gênero para levar adiante a subjetividade do personagem, estabelecida na primeira parte?
Não tinha pensado nisso, mas faz sentido. A parte "de gênero" do livro é detetivesca só na aparência. No desenvolvimento da história vai ficando claro que o tal do 'whodunnit' ["quem é o culpado"] é secundário, que toda aquela busca funciona para desmascarar os processos mentais do protagonista. Sei que corri um risco, que alguns podem achar a mudança um pouco brusca ou gratuita, mas tive segurança de que era o caminho certo.

Por ser ambientado em Cuba, você sentiu necessidade de falar sobre questões políticas? Penso que a trama de detetive seja talvez produto de um interesse seu em comentar, um pouco que fosse, política.
Eu sabia desde o princípio que o livro não trataria diretamente de política, mas ao longo do processo fui percebendo que esse tema fazia parte da história. As obsessões política e amorosa têm muitos pontos de contato. Ambas nascem da frustração, de sujeitos cansados de lutar contra uma realidade que não oferece as respostas que desejam. É comum que, como resultado, inventem uma realidade paralela para si.

Seu livro me pareceu uma crônica de amor jovem, sobre pessoas que não sabem bem como se comunicar (a primeira parte quase não tem diálogos, são apenas pensamentos de Renato). Queria saber se você acha que seu estilo de fato se conecta com essa ideia de relato sobre uma geração. Ou se não, que estilo seria?
Em nenhum momento pensei nisso. A história foi pensada em termos muito individuais. Seria mortal para o livro escrevê-lo pensando em fazer um retrato tão abrangente. Teria dificuldade em fazer uma análise do meu estilo, não tenho distância para isso. Apenas tento ser honesto comigo mesmo, com o jeito que eu vejo as coisas, com o tipo de literatura que me atrai e desafia, sem falsear minha voz ou mascará-la com truques.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

2. Saramago reavaliado



Hugo Viana

Depois de tantos livros e histórias interessantes sobre sua carreira, muitas delas narradas em biografias e documentários, o escritor português José Saramago (1922-2010) tem mais uma obra publicada no Brasil: "Claraboia" (Companhia das Letras, 384 páginas, R$ 46). O livro foi escrito originalmente no início dos anos 1950, mas na época não foi publicado por nenhuma editora, o que gerou uma mágoa no autor, que neste período já tinha escrito "Terra do pecado" (1947) - Saramago chegou a comentar certa vez que não desejaria ver este segundo livro editado em vida. Não é incomum encontrar trabalhos publicados pela primeira vez após a morte do autor (muitas vezes no formato de romance incompleto), mas esta parece uma situação talvez ainda mais sensível: um livro que foi terminado em vida, mas, na época, foi avaliado inadequadamente, ou talvez sem a devida importância, e então o fator tempo e a própria trajetória do escritor acabaram fornecendo novas ferramentas para compreensão. No caso deste novo título, é uma interessante oportunidade de reconhecer a personalidade de Saramago num livro escrito nos primeiros anos de sua carreira, a arqueologia de um estilo ainda não inteiramente definido. A história fala sobre um prédio de seis apartamentos, numa rua modesta de Lisboa, local onde ocorrem histórias simultâneas: os dramas cotidianos dos moradores - donas de casa, funcionários remediados, trabalhadores manuais.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

1. Diário de um escritor bêbado



Hugo Viana

Hunter S. Thompson (1937-2005) é responsável por um tipo escrachado de jornalismo, trabalhando bastante longe dos limites tradicionais da notícia. Lembrado como criador do gênero "jornalismo gonzo", em que o jornalista deve necessariamente abandonar qualquer medida de objetividade e se misturar inteiramente ao assunto abordado, Thompson escreveu, ainda no começo da carreira, nos anos 1960, a ficção "Rum: Diário de um Jornalista Bêbado" (relançado agora em versão pocket, pela L&PM, 256 páginas, R$ 19). O livro foi publicado apenas em 1998, quando Thompson já era um profissional estabelecido. No enredo, um jovem repórter troca a agitada redação de um jornal em Nova Iorque para trabalhar no Daily News, em Porto Rico (o autor de fato morou em San Juan, aos 22 anos). Lá, ele passa as noites em bares, as manhãs de ressaca, e o resto do tempo divido entre brigar com estranhos e procurar mulheres bonitas. É possível perceber a sensação de rum nas palavras de Thompson, um tipo inebriado de legado raivoso para um jornalismo estilizado. No final de outubro estreou nos Estados Unidos um filme baseado no livro de Thompson, dirigido por Bruce Robinson e protagonizado por Johnny Depp. Ainda não há previsão de lançamento do filme no Brasil.