sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Exemplar bruto de cinema de gênero


Hugo Viana*


BELO HORIZONTE (MG) - William Friedkin, 77 anos, é geralmente lembrado por dois grandes filmes, "Operação França" (1971) e “O Exorcista” (1973). Depois desses sucessos no início da carreira, a trajetória de Friedkin foi relativamente incerta, alternando bons projetos e peças desastrosas de cinema. Seu trabalho mais recente é "Matador de Alguel", exibido no encerramento da 6ª edição da Mostra Cine BH.

O filme é autêntico exemplar do cinema B, um produto nostálgico de um gênero popular especialmente nos anos 1970, quando Friedkin estava no topo. É um filme sujo, grosseiro e turrão, sangrento e bruto, uma atmosfera facilmente reconhecível de cinema de gênero, especialidade do diretor.

A história é comicamente ordinária; um rapaz novo se meteu com gente errada, deve dinheiro a um mafioso local, e para pagar U$ 6 mil inventa um plano que é claramente equivocado. Por motivos que não podem ser explicados pela lógica, ele convence outras pessoas a entrar na jogada, seu pai, sua irmã e um matador de aluguel (Matthew McConaughey, em atuação excelente).

Revelar mais pode estragar um enredo que prende justamente como um tipo de prazer gorduroso de cinema. A história pertence ao subgênero pulp, lembra romances baratos vendidos na banca de revista por menos de R$ 10, produtos que antes não eram tratados como arte, até Tarantino confundir os limites do bom gosto com os ótimos "Cães de Aluguel" (1992) e "Pulp Fiction" (1994).

Não é preciso esperar muito de sentido ou coerência do roteiro; a história parece existir pelo desejo de brutalidade, por um sentido de encenar coisas que chocam ou geram curiosidade, um bem feito e algo sensacionalista show de horrores. É provável que depois ver o filme ninguém coma uma coxa de galinha da mesma maneira.  

Ao mesmo tempo em que depois de um soco na cara vai jorrar muito sangue, prazeres do cinema de gênero, existe humanidade nos personagens, especialmente no matador de McConaughey, excêntrico responsável por manter o espectador preso ao filme.

*Viagem a convite do Cine BH

História de amor e política


Hugo Viana*


BELO HORIZONTE (MG) - No mercado atual do cinema independente o diretor português Miguel Gomes vem, através de seus dois últimos longas-metragens, estabelecendo-se como um dos realizadores mais especiais. Depois do belo "Aquele querido mês de agosto" (2008), o Cine BH apresentou na segunda à noite "Tabu", vencedor do prêmio de crítica do Festival de Berlim deste ano.

O filme é exemplo elaborado de melodrama de coração doloroso, gênero que geralmente é criticado por falta de originalidade. "Tabu" parece escapar desse argumento usando métodos do cinema contemporâneo, um tipo contemplativo de cinema, e uma combinação de imagens em preto e branco e edição de som que remete ao período do cinema mudo.

É um filme que sugere nostalgia ao cinema do passado, ao modelo de cinema praticado nos anos 1920, mas ao mesmo tempo consciente de métodos contemporâneos de captação e construção de imagens. O diferente uso de películas (35mm e 16mm) não apenas torna as imagens ainda mais sedutoras, mas especialmente parece elevar a carga sentimental do enredo. 

O filme é dividido em duas partes; a primeira se chama "Paraíso Perdido", seguida por "Paraíso". Na primeira temos três personagens principais: as senhoras Pilar, sua vizinha Aurora e a empregada desta última, Santa (as três igualmente ótimas). O segundo trecho narra a juventude de Aurora, na África. Além disso, há uma abertura que, com rara beleza, apresenta o sentimento geral da história, com humor e grande coração.

O filme é uma homenagem ao cinema do passado, especialmente ao diretor alemão F.W. Murnau - o título é o mesmo de um longa de Murnau de 1931, além de a personagem principal ter o mesmo nome de outro filme do diretor alemão (1927), também uma sofrida história de amor. Mas além dessa dimensão cinéfila, o filme se sustenta como autêntico melodrama, a história das dores de um amor impossível, filmado com criatividade e exuberância.

O filme tem um humor muito sutil, uma espécie contida de comédia sobre relações humanas, ao mesmo tempo em que insere dramas existenciais. Destaque para a narração (feita pelo próprio diretor), um texto de muita sensibilidade, que sugere ligações com “As pontes de Madison”.

O filme tem ainda uma dimensão política curiosa: comenta discretamente o estado atual de Portugal ao mesmo tempo em que observa o passado colonialista, a dominação sobre países africanos e os modos de permanência de um sistema político baseado na hierarquia da cor e do dinheiro.

*Viagem a convite do Cine BH

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Registros afetuosos em baixo orçamento















Hugo Viana*

BELO HORIZONTE (MG) - Festivais de cinema geralmente possuem duas metas ambiciosas: apresentar novidades do mercado contemporâneo e recuperar a memória do passado. Esta sexta edição do Cine BH oferece duas retrospectivas que acertam essas propostas. A primeira é do cineasta francês Leos Carax, 51 anos, mais conhecido por “Sangue Ruim” (1986) e “Os Amantes da Ponte Neuf” (1991). A outra é curiosa: exibição de todos os sete filmes do diretor mexicano Nicolás Pereda, 28 anos, obras exibidas, entre outros festivais, em Cannes e Veneza, importantes eventos do mundo do cinema.

“Meus filmes não são simples e monumentais, como os de Béla Tarr ou os de Tarkóvski. Meus filmes são simples e simples”, diz o diretor. Pereda conversou com espectadores do Cine BH e demonstrou conhecimento de cinema, explicando seus métodos de trabalho - uma espécie artesanal de teoria de cinema, que busca inspiração na realidade, ficcionalizando o cotidiano - com um tipo natural de humildade.


Nicolás é formado em cinema nos Estados Unidos, onde atualmente mora: recentemente ele recebeu uma oferta para permanecer na importante universidade Harvard para pesquisar e, se preferir, filmar um novo projeto. “No México existia apenas duas boas faculdades de cinema”, lembra o diretor. “Eu não consegui entrar em nenhuma.”

Pereda chamou a atenção do mercado ao vencer, em 2007, o Morelia International Film Festival. “Quando comecei a filmar mandei meus filmes para todos os festivais que existiam. Depois descobri que o trabalho de um júri é muito aleatório. Cada júri tem um gosto diferente. Tive sorte que um júri americano com gosto estranho premiou meu filme”, explica o realizador.

Os filmes de Nicolás são parecidos uns com os outros e com pouca coisa no cinema contemporâneo. Pereda usa ferramentas do documentário em enredos de ficção; são obras contemplativas, em que emoções fortes e humor são recorrências sutis. Quase sempre são protagonizados por Gabino Rodriguez e Tereza Sanchez, amigos do diretor. “Gosto de trabalhar com atores não-profissionais. Gabino é ator, mas antes disso é meu amigo. Ele não decora falas, constantemente improvisa, enquanto Tereza, que não é profissional, segue o roteiro. Gosto dessas forças diferentes, isso mantém o imprevisto na filmagem”, analisa.

O filme mais recente de Nicolás é “As melhores canções”, que possui com a música um encantador vínculo emocional. O diretor explica que o título não apenas recorre a músicas românticas para explicar partes do enredo - a ruptura familiar e uma certa procura por amor -, mas também remete aos álbuns de “maiores sucessos” de uma banda. “Esse é como se fosse meu ‘maiores sucessos’. Neste filme o espectador encontra a compilação de todos os filmes que fiz”, ressalta.

“Meus filmes são baratos. Filmamos em locações que conheço, casas de amigos”, comenta Nicolás.  “É estranho fazer um filme com orçamento de U$ 400 mil, como em ‘As melhores Canções’. É um filme que se parece com meus anteriores porque eu decidi que, agora que recebo dinheiro, vou pagar adequadamente todos que me ajudaram no passado, e não mudar a maneira de filmar”, ressalta.

“Nos últimos seis ou sete anos o circuito exibidor do México mudou”, diz Pereda. “Abriram mercado para filmes pequenos e estranhos, europeus e latino-americanos. A Cinemateca mexicana exibe filmes europeus importantes junto com obras latino-americanas menos conhecidas. Um filme meu tem em geral 10 ou 15 mil espectadores, o que é relativamente um público pequeno, mas para mim é fantástico. Eu faço filmes com quatro amigos, em duas semanas. Então esse público é ótimo”, comenta.

*Viagem a convite do Cine BH

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Família e fé no cinema nacional
















Hugo Viana*

BELO HORIZONTE (MG) - Os filmes brasileiros que chegam às salas de cinemas parecem não representar a complexa e vasta geografia da cinematografia nacional; são filmes em geral bancados por grandes produtoras, enquanto obras independentes ainda procuram chance para entrar (e permanecer) em cartaz no circuito exibidor.

A real oportunidade para descobrir o que vem sendo filmado no Brasil parece ser em festivais de cinema. A 6ª edição da Mostra de Cinema de Belo Horizonte (Cine BH) mostrou, no sábado à noite, dois filmes nacionais recentes que, em hipóteses otimistas, terão poucas sessões em salas de cinema alternativo.

Apesar de "Éden" (RJ), de Bruno Safadi, e "Cru" (DF), de Jimi Figueiredo, não serem exemplares excepcionais de cinema, são filmes que trabalham perspectivas diferentes de narração e estilo, obras dirigidas por cineastas que superam técnicas que pelo uso excessivo viraram uma espécie desgastada de regra.

Curiosamente são filmes ligados por um interesse de observar classes menos favorecidas, a influência da moral religiosa no cotidiano e assim reformular pecados do passado, mas sem ressaltar a pobreza ou a fé como marca decadente, e sim como impulso para mudanças. São personagens movidos pela crença em algo, movimento que tem pulsões de morte e vida.

Em "Éden" Bruno Safadi narra a história de uma mulher grávida de oito meses (Leandra Leal) que perde o marido, assassinado. O vazio gera questionamentos sobre o motivo da existência e a faz procurar algum tipo de consolo na religião. Lá é acolhida por um pastor (João Miguel), figura misteriosa, popular mas ao mesmo tempo ambiciosa.


Safadi tem um discurso relativamente ambíguo; parece ao mesmo tempo respeitar a igreja como possibilidade de assistência emocional e propor ironicamente que é uma instituição que, como uma empresa de capital forte, necessita em primeira mão dominar o mercado.

O filme tem forte carga emocional, tratando o frágil estado sentimental da protagonista como uma espécie de filme de terror; o drama de gerar vida ao mesmo tempo em que a morte assombra é filmado como pesadelo sem fuga aparente. Surge então a dúvida: a salvação está na crença em uma força superior ou no próprio homem?

Ao mesmo tempo em que explora diferentes rotas do cinema, com interessantes posicionamentos de câmera que fogem a uma maneira padrão de filmar, Safadi utiliza uma edição de som que chama mais atenção do que as imagens, uma falta de equilíbrio que parece enfraquecer certas sequências mais fortes, além de ir e voltar no tempo, maneira pouco eficiente de narrar uma história.

"Cru" começa ressaltando sua origem de peça teatral; possui diálogos rápidos e inteligentes, lembram talvez Tarantino no sentido de evitar falar diretamente sobre a trama, desenvolvendo ideias sobre assuntos paralelos. A base de sua força dramática está na atuação. No entanto, o filme parece não crescer além desse ponto; até perto do fim é essencialmente uma obra de atores e situações que possuem carga dramática pelo que é dito, e não através das imagens.

Em cena, dois homens convesam; um paga ao outro para que mate um certo homem maldito. A tensão cresce ao ponto de revelações melodramáticas. No último ato, mudanças bruscas operam modificações duras nos personagens. O filme adquire atmosfera sombria, mostra uma violência que embora seja visível na tela parece doer mais no coração. Ao mesmo tempo, Jimi demonstra habilidade para a edição, criando uma tensão entre o tempo e o espaço em que as ações são encenadas, de maneira discreta e eficaz.


*Viagem a convite do Cine BH

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

A biografia de um cinéfilo


Hugo Viana

Quentin Tarantino se tornou uma espécie de mito pop na história do cinema dos anos 1990. Sua formação e início de carreira, com "Cães de Aluguel" (1992), são lembrados como atos de rebeldia: ele aprendeu métodos de criação baseado não no conhecimento teórico, em aulas na universidade ou trechos de livros, e sim através de um treinamento intensivo, vendo exaustivamente, por paixão, filmes clássicos ou esquecidos, até o ponto de compreender a linguagem cinematográfica.

A história de Tarantino, que começou como atendente de uma locadora, sua peculiar noção de cinema, a maneira de trabalhar num set de filmagem, as origens de seu estilo hoje facilmente reconhecível, o interesse por um gosto que não é o padrão - a base criativa do diretor é composta por produtos da cultura pop, projetos que geralmente são identificados como "inferiores" no meio cultural, terror, exploração de violência gratuita, kung fu - estão no lançamento "Quentin Tarantino" (Leya, 384 páginas, R$ 49,90), organizado por Paul A. Woods.

O livro parece uma iniciativa fundamental para compreender, a partir de diferentes pontos de vista, o que marca um estilo e define uma noção de autoria no cinema. Cada filme de Tarantino é analisado por críticos distintos, oferecendo um panorama amplo de recepção de cada obra - textos escritos na época de lançamento de cada longa-metragem, o que parece favorecer uma percepção mais precisa sobre o impacto de "Cães de Alguel" e "Pulp Fiction" no mercado cinematográfico. O livro também traz reportagens sobre bastidores de filmagens, resenhas das obras mais recentes, fotos raras e, especialmente, entrevistas reveladoras com o próprio realizador sobre seus projetos.

No primeiro longa-metragem, "Cães de Aluguel", Tarantino chamou a atenção, especialmente por duas cenas. A primeira, em que bandidos, antes de assaltar um banco, conversam numa cafeteria, discutem o real significado da música "Like a Virgin", de Madonna, parece ironizar o passado do filme de gangster. A segunda, uma longa tortura em que um dos bandidos joga gasolina em um policial para em seguida arrancar sua orelha, gerou reclamações, censuras, objeções severas de espectadores não habituados a ver, no cinema comercial, cenas dessa natureza - imagens que eram comuns no gênero horror adquiriram peso maior nos espaços tradicionais de exibição.

Tarantino passou pelo "teste do segundo filme", vencendo a Palma de Ouro de Cannes com "Pulp Fiction" (1994), título que remete a romances baratos, com elevada carga de sexo e violência. Reconhecido como bom diretor de atores (estudou interpretação durante seis anos), o realizador atraiu profissionais como Bruce Willis, Uma Thurman, John Travolta e Samuel L. Jackson, habituados a receber como pagamento o orçamento total do filme (U$ 8 milhões).

Embora esses dois filmes insinuem a presença de uma autoria, pistas de um realizador consciente dos estatutos do cinema, através de diálogos inesperados para a narrativa policial e uma exuberância apaixonada ao filmar os efeitos da violência, foram obras que cristalizaram questionamentos sobre o que pode o cinema: foram elogiados por um certo estilo transgressor, por revirar os códigos do gênero, ao mesmo tempo em que receberam críticas por não exibirem consciência sobre o impacto da violência, além de serem, às vezes exaustivamente, referentes ao cinema dos anos 1970.

A confusão de referências, a mistura intensa entre filmes asiáticos ou obras consideradas exemplares do cinema B, autores como George Romero ou Roger Corman, cineastas que trabalhavam na produção alternativas, com filmes sobre zumbis ou gigantes planas carnívoras, são recorrências na cinematograifa de Tarantino, representam influências essenciais para sua percepção de cinema.

Tarantino tem interesse pelo gênero horror, por mostrar, através de um exagero de estilo, o que filmes convencionais não ousam, criando roteiros que confirmam originalidade modificando influências diretas. Depois de "Bastardos Inglórios" (2009), incrível exemplar de "filme de guerra", devidamente modificado por uma caligrafia peculiar, atualmente Tarantino está em processo de finalização de "Django Livre" - com estreia prevista para 18 de janeiro -, obra inspirada em outra paixão do cineasta: o gênero western.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Filme celebra amor ao cinema


Hugo Viana

Alguns filmes mostram interesse particular pelo próprio cinema, criando enredos que destacam amor aos bastidores do processo cinematográfico. Entra em cartaz, no Cinema da Fundação, o uruguaio "A Vida Útil", de Federico Veiroj, que ao mesmo tempo em que desenvolve uma história de amor, narrando o percurso de um homem tímido até adquirir autonomia sobre suas escolhas, sugere uma reflexão sobre o estado do cinema atualmente, em especial dos locais de exibição.

O longa dura pouco mais de uma hora e pode ser dividido em duas partes. A primeira é fraca, lembra, na hipótese mais otimista, um filme institucional sobre a cinemateca, um documento que registra com rigor de observador partidário os problemas técnicos e o gradativo afastamento do público. Veiroj não desenvolve personagens ou história, parece exclusivamente interessado em reforçar que a cinemateca é um espaço importante por exibir "filmes bons"; é como um ensaio documental sem o efeito catalisador e fascinante do cinema.

A segunda parte se afasta dessa vontade quase obsessiva de reforçar a necessidade social da cinemateca e confronta a permanência do cinema na vida cotidiana de forma criativa e singela. Um dos programadores do cinema, Jorge, 45 anos, recebe a informação fechamento da cinemateca com um tipo discreto de rebeldia; projeta uma investida romântica, corta o cabelo, exerce o direito de encontrar encanto em coisas pequenas. Numa das cenas mais curiosas, finge ser professor de direito e narra com eloquência um texto escrito por Mark Twain sobre a necessidade da mentira.

Dessa forma, o tema cinema continua presente como argumento, mas de maneira sutil; o filme investiga a possibilidade de emular na rotina a carga emocional gerada pela relação entre imagem e som. "A Vida Útil" é uma homenagem ao cinema do passado, observando com melancolia monótona o mercado contemporâneo.

Adrenalina fugaz sabor pólvora


Hugo Viana

Depois de apresentar no primeiro filme, lançado em 2008, tudo o que legitima o gênero ação, "Busca Implacável 2" entra em cartaz oferecendo exatamente as mesmas opções; em todas as cenas ocorre algum tipo acelerado de perseguição de carro, tiroteio, explosões ou mortes. E briga, muita briga. Poucos momentos se referem a um tipo silencioso de cinema, ferramenta evitada neste filme de Olivier Megaton (diretor de outro filme movido à gasolina e pólvora, "Carga Explosiva 3").

O protagonista continua sendo Bryan (Liam Neeson), ex-agente da CIA, agora pai preocupado com as aulas de direção da filha. O vilão é Murad (Rade Serbedzija, especialista em interpretar criminosos do leste europeu); ele quer vingar o filho, sequestrador de jovens mulheres do primeiro filme, assassinado por Bryan. Os planos de vingança de Murad envolvem não apenas torturar o ex-agente, como também matar a família dele, enquanto estão em férias exóticas em Istambul.

O roteiro é mínimo e fornece as brechas para ação. Infelizmente para Murad e seus capangas, Bryan é um tipo bruto de super agente, não costuma perder brigas ou errar tiros, características recorrentes no bando inimigo. Tudo se torna um pouco mais fácil porque os vilões são indiferentes às capacidades acima da média de Bryan; deixam ele numa sala sozinho, com braços amarrados, enquanto estão na outra sala, bebendo cerveja e assistindo futebol.

Esse enredo frágil dura pouco, 90 minutos, e poderia ser ainda mais curto, devido à enorme eficiência do protagonista. Nesse pouco tempo, talvez o destaque seja a maneira como Megaton apresenta essas capacidades, criando um roteiro de ação frenética que usa de forma inteligente o som e a montagem de cenas paralelas para intensificar o clima de tensão.

São sequências que representam o prazer desgastado que o gênero ação oferece, a capacidade de recriar com a câmera uma vontade cruel de ver explosões espetaculares como apenas o cinema norte-americano parece capaz de fazer. A existência de um filme anterior, bem feito, com essas mesmas motivações, parece colocar dúvida na real necessidade de uma segunda parte.

Depois de tantos anos sendo usada como um tipo de guia, a divisão no cinema por gêneros se tornou uma ferramenta útil para alguns diretores exercitarem a criatividade, mexendo em fórmulas que depois de décadas de uso adquiriram rigidez. "Busca Frenética 2" representa o exato oposto: é formado por precisamente todas as exigências do gênero, um filme de ação bem executado que será devidamente arquivado e esquecido.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Violência extrema e sem propósito


Hugo Viana


Filmes com quantidade extra de violência costumam causar polêmica. Po isso, é bom avisar aos espectadores que preferem não ver corpos sem pele, pedaços de cérebros espalhados no chão ou o efeito devastador de balas tamanho G no rosto humano, em câmera lenta, que "Dredd 3D", dirigido por Pete Travis, talvez não seja o programa adequado.

Este remake, sem qualquer vínculo com o original de 1995, é autêntico filme de ação - enredo mínimo, como os suspenses de John Carpenter ("Assalto à 13ª DP", de 1976, parece referência) e tensão o suficiente para prender a respiração e segurar firme na cadeira. A história ocorre num futuro em que efeitos da radiação modificaram a geografia norte-americana, transformando o país numa cidade gigante. A violência social é controlada por "juízes", policiais que têm autonomia completa de decisão sobre certo e errado.

Como geralmente acontece em filmes com futuro distópico, os inimigos são traficantes que tentam dominar a cidade com um novo tipo de droga. A chefe é MaMa, mulher que estreou no crime desfigurando a anatomia sexual de um chefão com a boca, e depois continuou matando com prazer violento todos os integrantes das gangues rivais. Ao mesmo tempo, em toda sua capacidade brutal, MaMa é tão violenta quanto os juízes, os supostos heróis.

Nesse sentido, por tratar de um tema político, o filme expõe um tipo polêmico de ideologia: apresenta policiais com armas destruidoras e que têm o poder de julgar imediatamente criminosos, definindo quem merece prisão ou a morte imediata. Esse tipo de estado crítico é apresentado como normal, esses "juízes" são tratados como vencedores carniceiros; o filme parece ignorar que a existência de um sistema assim sugere abandono total de sentimento, o que aparenta ser um certo despreparo moral para o poder de sugestão do cinema.

Na verdade, é curioso sequer existir caos social nessa realidade vigiada por essa equipe policial; em meia hora de filme, dois juízes matam, na área de maior índice de criminalidade, mais de 50 bandidos, sem um arranhão qualquer. Poderiam poupar filme e encerrar a carreira criminosa de todos os bandidos da cidade sem muito esforço.

É um tipo de violência estilizada que atualiza de maneira irregular o cinema de Sam Peckinpah, diretor de faroestes brutos nos anos 1970 que através do recurso da câmera lenta nas mortes parecia interessado em observar os efeitos físicos e morais da violência; em "Dredd 3D", existe apenas o prazer sádico de filmar sangue e dor, a impressão de que a resposta para revolta social é matar, prática moral duvidosa. 

É uma pena que "Dredd 3D" funcione exclusivamente como filme de ação, uma produção claramente bem feita do ponto de vista técnico, especialmente os efeitos visuais e a edição sonora (o recurso 3D, aparentemente de pouca utilidade, mostra seu real valor numa das cenas mais violentas, quando, sob efeito da droga, que faz tudo ficar em câmera lenta e com um intenso filtro de cores, as mortes parecem ainda mais brutais), mas ao mesmo tempo retirando qualquer responsabilidade social, demonstrando indiferença sobre a necessidade de refletir sobre a própria realidade criada.

Humor com toques fantásticos


Hugo Viana


Crianças solitárias costumam criar amigos imaginários, desenvolver um tipo de camarada para segurar a mão em noites de trovoadas ou uma companhia para tardes quentes de tédio. Em "Ted", do diretor estreante Seth MacFarlane, a premissa do amigo irreal vem como comédia de toques fantásticos. Em uma noite de Natal especialmente triste, nos anos 1980, um garoto, deitado na cama abraçado com seu ursinho de pelúcia, deseja que seu brinquedo se torne vivo. Passa uma estrela cadente e na manhã seguinte o urso começa a falar.

Então o filme coloca essa fantasia nos moldes da realidade, sendo esse choque o mecanismo da comédia; o urso, chamado Teddy, se torna atração midiática, dá entrevistas, é capa de revistas, vira, de maneira comicamente compreensível, curiosidade nacional. Aplicar um sentido de normalidade para algo fora do comum parece o melhor truque do filme, é a ideia que rende as melhores piadas (Teddy numa entrevista de emprego ou conversando com jornalistas gera facilmente risadas honestas).

Passam 27 anos, esse ursinho amigo e carinhoso se transforma num adulto, mantendo seu cômico tamanho mini, torna-se admirador de prostitutas e apreciador de diferentes ofertas de maconha: "Pânico do gorila", "Eles estão chegando!" e "Isso é permanente". Teddy é o clichê do homem bruto, abre a geladeira apenas para pegar cerveja, conversa quase exclusivamente sobre mulher e tem como meta diária diversão sem muita medida. Aplicando uma espécie imatura de humanidade a um boneco, Seth mostra senso de humor.

O menino (Mark Wahlberg) também cresceu, tinha 12 anos quando fez o pedido, agora tem 35, embora não demonstre qualquer indício de maturidade. É esse o charme do filme: o tema é a falta de habilidade para amadurecer, entrar numa nova fase da vida, coisas como comprar apartamento, manter relacionamento sério. A dificuldade em conseguir tudo isso vem na forma de metáfora, um urso de pelúcia, aspecto marcante da infância, sugerindo vínculo com o passado, a negação da vida adulta.

Embora essa ideia seja simples e inteligente, o filme parece se esforçar para não entregar qualquer momento de reflexão; são muitas cenas que legitimam parentesco entre "Ted" e filmes como "American Pie" ou "Se beber não case", franquias dedicadas ao humor de extremos.  "Ted" não é bem um filme politicamente correto, as piadas vão a lugares sensíveis, ao Oriente Médio, gostos da classe média, talvez preconceito disfarçado de comédia imprudente. É um tipo criativo de enredo que tropeça com alguma frequência em aspectos banais da comédia norte-americana média.