quarta-feira, 16 de novembro de 2011

A biografia de um enigma

Hugo Viana



Glauber Rocha permanece como um dos enigmas da história do cinema nacional, bastante celebrado e não inteiramente compreendido. Um cineasta que infelizmente é mais reconhecido por um aforismo perfeito para um determinado contexto (a frase “Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, durante os anos 1960) do que por seu legado cultural. Nelson Motta, que conheceu Glauber, entrevistou amigos e familiares do cineasta baiano. O resultado da pesquisa é a publicação “A Primavera do Dragão” (Objetiva, 368 páginas, R$ 56,90). No livro, Glauber é biografado com uma objetividade sem qualquer pretensão de análise crítica, um texto que começa no encontro dos pais de Glauber num pequeno baile nos anos 1940, na Bahia, até o momento em que o Festival de Cannes reconhece o cineasta como uma força intelectual (através do prêmio de melhor diretor, com o filme “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro”, em 1968), que a partir do cinema é capaz de provocar tumultos. Nesta entrevista, Motta explica como voltou a escrever o livro depois de uma pausa de 20 anos e se defende das críticas recebidas sobre nomes trocados e trechos que supostamente não aconteceram de verdade.

Na introdução você comenta sobre a trajetória da escrita, o início em 1989 e a retomada, nos anos 2000. Essa pausa modificou suas ideias sobre o que deveria ser o livro?
Desde o início a idéia era ser só sobre a juventude. Mas os 20 anos me deram melhor perspectiva para escrever o livro. Também escrevi sete livros nesse intervalo, biografia, romance, memórias, contos, além de centenas de crônicas e artigos para jornais e revistas. Então, mesmo se eu fosse uma besta, estaria escrevendo melhor. Foi uma sorte esse intervalo.

Embora Glauber Rocha seja um dos cineastas brasileiros mais lembrados da história do cinema nacional, ele não parece tão conhecido fora do circuito cinéfilo/acadêmico, talvez por não estar na pauta da televisão. O que você acha desse tratamento dado não apenas a Glauber, mas também a outros importantes cineastas brasileiros dos anos 1960 ou 70?
Acho péssimo. Há um grande desprezo pela memória no Brasil. Por outro lado, sem o Estado e sem a academia, a internet está fazendo este papel restaurador, poupando tempo e dinheiro a estudantes e pesquisadores, e dando acesso a todos sobre a memória nacional.

E qual a importância de debater hoje em dia a vida e a obra de Glauber?

Não sei. Escrevi a história de um amigo querido, um personagem extraordinário, um grande artista, um símbolo de sua geração, e acho que sua leitura vai divertir, emocionar e informar sobre Glauber e seu tempo, suas ideias, seus amores e suas conquistas. "Terra em Transe" e "Deus e o Diabo na Terra do Sol" são dois clássicos indiscutíveis do cinema mundial, só por isso já valeria a pena saber mais sobre quem os fez.

A narrativa do livro segue uma linha temporal bem definida, a trajetória de Glauber da infância até adquirir respeito internacional. O texto possui uma abordagem objetiva, procurando detalhar fatos biográficos da vida de Glauber. Por que esse recorte, essa forma linear de narrar, e esse interesse pela objetividade?
Porque queria contar uma boa história, como um filme, com um protagonista apaixonante e um excelente roteiro original. A história de um garoto precoce que amava cinema e se torna um dos maiores diretores do mundo com 24 anos no Festival de Cannes de 1964, onde, como num clichê de cinema, o discípulo (Glauber) confronta seu mestre (Nelson Pereira dos Santos) no final, um com "Deus e o Diabo" e outro com "Vidas Secas", dois clássicos. Eu não queria fazer análises, especulações, teses, nada dessas chatices que estão na maioria das biografias acadêmicas, só queria contar uma grande história, que tem muito drama, comédia e romance.

O livro recebeu muitas críticas das pessoas que viveram o mesmo período que Glauber na Bahia. Embora algumas não interfiram para a compreensão de Glauber (como nomes trocados), outras parecem um pouco mais graves, por insinuar que algumas das histórias descritas no livro nunca aconteceram. Gostaria de saber o que você comenta sobre essas críticas, e se tem planos para, na próxima edição, mudar algo no livro.
Nenhum dos pequenos reparos feitos por um amigo baiano de Glauber, personagem secundário de um trecho da narrativa, interfere nas 360 paginas do livro, são apelidos trocados, sobrenome errado de uma atriz, um quadro que não era tela mas mural e outras besteiras, que foram corrigidas em dez minutos para que a próxima edição saia sem erros. Agora, as hilariantes histórias de conspirações de araque, que me foram contadas por gente responsável como João Ubaldo Ribeiro, Orlando Senna e o falecido artista plástico Calazans Neto, em entrevistas gravadas, às gargalhadas, é claro que vou manter, só tirei os nomes dos que disseram que não estavam presentes. Servem muito bem para mostrar o estilo, a personalidade e o humor do jovem Glauber. Já me desculpei com os que troquei os nomes ou apelidos, já fiz as correções, agradeço as informações, desprezo as ofensas e encerrei este assunto com um texto público.

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