sábado, 26 de novembro de 2011

Revisão amarga dos EUA nos anos 1950

Hugo Viana



Depois de mais de 30 livros, Philip Roth está cada vez mais confortável em adaptar tensões pessoais em textos de ficção. Em suas obras mais recentes, Roth, 78 anos, parece morbidamente dedicado a problemas do corpo, expondo fragilidades físicas e emocionais através de histórias intensamente melancólicas sobre velhos e jovens. Seu livro mais recente é "Nêmesis" (Companhia das Letras, 200 páginas, R$ 36), e mais uma vez se passa em Newark, nos Estados Unidos (onde o autor nasceu), num bairro judeu, durante a Segunda Guerra Mundial, em 1944.

A história é contada a partir de um narrador que não é claramente identificado, e embora a revelação de seu nome e ocupação não seja exatamente um choque, fica claro um engenhoso sistema de narração desenvolvido por Roth neste livro.

O narrador descreve a história do personagem principal, Bucky, 23 anos, homem que mede pouco menos de um metro e sessenta e cinco, e embora tivesse grande habilidade física e força muscular era muito míope, usava óculos de lentes grossas, o que o impediu de ir à guerra. Bucky viu seus dois melhores amigos embarcarem para o conflito, corações ardendo por um sentimento indefinido de defesa pela pátria, e a impossibilidade de praticar esse mesmo tipo de respeito foi uma derrota sentimental nunca inteiramente superada.

Era motivo de vergonha para Bucky andar pela cidade vestindo roupas civis, constrangimento improvável para homens que se acreditam capazes de enfrentar qualquer coisa. Ele então permaneceu no verão de 35ºC na sombra de Newark, ocupando o cargo de administrador de um pátio de recreações, encontrando gratificação ao ensinar a jovens algum tipo de esporte. Bucky é o all american boy, homem bom e simples, de cabelo curto e camisa ensacada, adequadamente comportado em qualquer situação social, com planos para se casar com a primeira namorada virgem e cuidar da avó fisicamente debilitada.

Mas para Roth a vida parece ter um jeito cruel de mudar planos, e então durante o verão de 1944 começa a surgir uma epidemia de poliomielite em Newark. Boa parte das crianças que frequentavam o pátio precisam agora enfrentar um futuro terrível: perder o movimento dos membros ou, em situações mais dolorosas, a morte. Não há sensação de conforto nesse acontecimento impiedoso, mas tudo parece ampliado na percepção de Bucky, derrotado mesmo numa tarefa caseira menor e longe da guerra (cuidar de crianças). Nesse momento o livro se aproxima do gênero epidemia que deflagra tumulto e medo geral.

Há um epílogo devastador que encaminha Bucky como um homem honestamente sobrecarregado por uma bondade severa, portador involuntário de um elevado senso de responsabilidade. Ele enfrenta uma crise religiosa e uma culpa que possivelmente não lhe cabe, arrasado pela dúvida se ele seria o disseminador do estado de crise entre aqueles que ele não apenas ama, mas jurou defender. Um pesar silencioso que ao longo de décadas evolui para sofrimento do homem comum que menos merecia ser vítima de qualquer mal. "A vida é assim mesmo", diz um dos personagens, numa conversa aparentemente banal, "tem sempre alguma coisa esquisita acontecendo".

Roth parece então remeter à imagem desfeita do sonho americano. A perturbadora sensação de que a suposta felicidade construída depois da guerra, com o estabelecimento social da união familiar em torno de um ideal de vida pacífico, não é uma verdade compartilhada - uma revisão definitivamente amarga da mitologia norte-americana dos anos 1950.

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