terça-feira, 8 de maio de 2012

A violência como resposta à crise

Hugo Viana


Ler novamente livros lançados décadas antes parece encaminhar uma sensação de nostalgia, em especial pela oportunidade de revisar questões típicas das épocas descritas com o distanciamento de alguns anos. "Clube da Luta" (272 páginas, R$ 39,90), escrito por Chuck Palahniuk, publicado originalmente em 1996 e editado neste mês pela editora Leya, parece mostrar a cada situação imaginada a identidade dos anos 1990 - sensação reforçada pelo filme, lançado três anos depois.

O livro trata da relação entre três personagens: um narrador sem nome, Tyler Durden e Marla Singer. É a partir do ponto de vista desse narrador cuja identidade é revelada apenas perto do fim que surge uma realidade brutal, vindo dele reflexões críticas a respeito da construção de uma sociedade de consumo excessivo, em que se trabalha cada vez mais para conseguir comprar objetos sem os quais a vida seria perfeitamente possível.

Parece a enunciação direta de um dilema existencial que ganhou força nesse período histórico específico, nos anos 1990, quando o fim da guerra fria e a divisão interna nos trabalhos cada vez mais impessoal e burocrática de certa forma aumentou o grau de insatisfação social, projetando questionamentos sobre o destino de uma classe média economicamente crescente e ao mesmo tempo aparentemente desvinculada de engajamento social.

Esses problemas são tratados por um personagem que tem atitudes progressivamente mais subversivas. No começo Tyler se mostra apenas como um tipo de anarquista cuja revolta não é compartilhada, urinando na comida de pessoas ricas e ironizando a necessidade de traquitanas como maneira de distinção social, para em seguida levar essa insatisfação para um outro nível, que envolve entre outros aspectos ataques terroristas contra prédios que são símbolos econômicos dessa sociedade em processo de crescimento.

O tipo de literatura praticada por Palahniuk parece meio histericamente conectada a uma ideia de turbulência social, uma virtuosa engenharia crítica a partir de uma ficção que coloca os personagens em conflito físico contra o mundo. Neste livro, a busca por sentido vem a partir de uma ideia compartilhada pelo narrador e Tyler: a criação de um clube da luta, um lugar em que homens que passam o dia recebendo ordens descarregam o sentimento de vazio numa briga mano a mano, um tipo de vigor excessivamente violento que busca não tanto o prazer de machucar, mas a vontade agir livremente e descarregar uma raiva até então proibida.

Depois de livros como "Monstros Invisíveis" (2009), em que Palahniuk narra a estranha relação entre uma mulher desfigurada, sem o maxilar, e um homem que quer mudar de sexo, e "Snuff" (2010), cuja história trata de um assassinato nos bastidores de uma mega produção da indústria pornográfica, o autor norte-americano parece reforçar interesse de pesquisa por diferentes tipos de distúrbios sociais, escrevendo livros que envolvem necessariamente uma carga pesada de sexo e violência não exatamente pelo choque, mas pelo que significam em termos de entendimento social e construção de uma identidade.

Adaptação para o cinema
foi feita por David Fincher 

"Clube da Luta" foi adaptado para o cinema em 1999 por David Fincher, que na época era bem lembrado pelo violento exercício policial "Sete Pecados Capitais" (1995), filme que compartilha com este, além da participação de Brad Pitt, um certo desgosto sobre os modos das relações humanas e em especial um pensamento negativo a respeito de como pessoas recorrem ao trabalho como fuga de traumas pessoais.

Como tantas adaptações para o cinema de livros com alguma repercussão, Fincher parece querer não interferir tanto no texto, colocando seu protagonista, assim como no livro, como um narrador verborrágico (Edward Norton), um personagem que intervém constantemente no enredo para explicar fatos ou emoções que estão um tanto evidentes na imagem. É algo que revela a origem literária do filme, com um texto que está quase sempre acima da imagem.

Talvez por isso as melhores cenas são justamente as que parecem se afastar da natureza literária e funcionam como criações autônomas específicas para o cinema. É quando Fincher, consciente do sentido político exposto no livro, organiza cenas baseadas numa rápida montagem enérgica, colocando personagens à beira da explosão física ou emocional.


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