terça-feira, 20 de novembro de 2012

História e política na escrita de Robert Darnton


Hugo Viana

A escrita do norte-americano Robert Darnton, 73 anos, possui a natureza dupla de ficcionista e historiador; ao mesmo tempo em que existe o rigor da pesquisa histórica e da reflexão acadêmica, Darnton procura seduzir o leitor como um autor de gênero policial. O escritor, que participou da Fliporto na sexta-feira, lançou recentemente "O diabo na água benta", publicação em que exercita sua perspetiva de pesquisador, falando sobre a importância da calúnia e da difamação como ferramentas de agitação política na França do século 18. Enquanto observa o passado, narrando detalhes do processo social que antecedeu a Revolução Francesa, Darnton parece revelar conexões com o período atual - a maneira como a calúnia e a difamação se manifestam no jogo político contemporâneo. Em seu texto existe a fascinação criativa do ato de narrar histórias, afastando-se de uma noção didática da escrita, buscando aproximação com o gênero policial; o autor fala, como um investigador que pesquisa evidências de um crime, sobre temas importantes da história. Darnton, que desde 2007 é diretor da livraria de Harvard, também é um dos pensadores da nova era do mercado editorial; seus textos refletem sobre a relação entre digital e analógico, o panorama de mudanças rápidas a partir da digitalização e a dúvida sobre o futuro do impresso. Nesta entrevista, o autor fala sobre seu novo trabalho e opina sobre os livros eletrônicos (e-books).

O senhor é diretor da livraria de Harvard desde 2007, e nesse período digitalizou parte da coleção da biblioteca, facilitando o acesso aos livros. E-books são tópicos de debates entre leitores e escritores, com argumentos positivos (fácil de carregar) e negativos (possível fim dos impressos). Poderia opinar sobre essa rápida mudanças e explicar sobre os valores em jogo nesse cenário?
Eu acho que as pessoas dramatizam uma suposta oposição entre e-books e impressos. Verdade, o uso de e-books aumentou muito nos EUA. O site Amazom reporta que vende mais e-books do que livros tradicionais. Mas o consumo de impressos também aumentou - 6% - no ano passado. Além disso, a venda de e-books frequentemente aumenta a de suas versões impressas. O leitor prova uma novela ou não-ficção no Kindle; se gostar, compra a versão impressa. Nós temos agora livros híbridos. Meu livro mais recente, "Poesia e a polícia: rede de comunicação no século 18 em Paris", é uma monografia tradicional impressa, mas tem um suplemento eletrônico no qual o leitor pode ouvir músicas cantadas na melodia que preenchia o ar em Paris 250 anos atrás. Uma coisa que os livros de história nos ensinam é que um meio não invalida outro durante o processo de troca tecnológica. A impressão de manuscritos aumentou depois de Gutenberg (1400-1468), e continuou muito bem nos dois séculos seguintes.

O senhor é conhecido por estudos da França no século 18. No Brasil acabou de ser lançado "O diabo na água benta", em que você fala sobre a força da calúnia e da difamação naquele período político da história francesa. Já que no Brasil acabamos de ter eleições - e também nos EUA, para presidente - o senhor acha que elas continuam sendo poderosas ferramentas políticas?
Com certeza, a calúnia ainda é uma eficiente arma em batalhas políticas. Quando meu livro apareceu na França, muitos jornalistas disseram que as ideias poderiam ser aplicadas à política francesa. E tendo acabado de testemunhar uma eleição nos EUA, eu diria o mesmo que os franceses. Acredito que a calúnia existe em quase todo sistema político, mas alguns sistemas podem lidar melhor com isso do que outros. Na França pré-revolucionária, isso tocou um nervo e contribuiu muito, na minha opinião, para a radicalização da opinião pública. Na Inglaterra nesse mesmo período, isso foi ainda mais difundido, mas foi encolhido pela elite política. Portanto, acho crucial situar a calúnia dentro do contexto de sistemas políticos particulares, prestando atenção cuidadosa ao contexto da hora e do lugar.

Lendo o livro é possível fazer conexões com a literatura policial, pela maneira como o senhor narra eventos, com investigações e conspirações. Isso foi intencional? Ao mesmo tempo, há muitas informações e detalhes históricos. Como foi o processo de pesquisa?
Como você notou, eu passei um longo tempo fazendo pesquisas para este livro. Eu tentei reconstruir em detalhe as atividades da polícia e dos autores que eles perseguiam. Nesse sentido acabou se transformando numa espécie de história de detetive, que eu espero que divirta os leitores ao mesmo tempo em que informe um pouco sobre um muito diferente e fascinante período da história.

"O diabo na água benta"
Companhia das Letras, 632 páginas, R$ 74,50

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