quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Literatura e memória na escrita de Paloma Vidal


Hugo Viana


(foto: Renato Parada)

Os jovens escritores brasileiros, além de autores, geralmente também são críticos e professores de literatura, condição que parece favorecer uma relação de intensa proximidade com a história das palavras e o ofício de criador. É o caso de Paloma Vidal, 37 anos, autora que nasceu na Argentina e aos dois anos veio para o Brasil, morar no Rio de Janeiro. Esse aspecto de deslocamento, um certo embaralhamento geográfico, o sentimento distante de ausência parecem marcas especiais em seu novo livro, o quarto, "Mar Azul". A história começa de maneira criativa: duas meninas, nomes e idades não revelados, conversam sobre aspectos da intimidade, amores sem correspondência e uma espécie de inocência num complexo mundo de adultos. Em seguida, a história muda de ritmo, uma das personagens aparece mais velha. O livro adquire então uma atmosfera de reflexão melancólica sobre os dilemas físicos e emocionais da idade avançada, uma exposição dramática que coloca o tempo, a memória e a natureza (o mar) como fatores carregados de emoção. A protagonista registra seus dias em diários, assim como seu pai fazia anos antes, uma rotina lenta marcada por um tipo de cruzada a favor do esquecimento. Nesta entrevista, Paloma fala sobre aspectos da criação literária e seu trabalho no mercado como professora e crítica literária.  

As primeiras 40 páginas têm apenas diálogos; você não revela nomes ou idades, apenas escreve a conversa entre duas jovens amigas. Gostaria que falasse sobre essa maneira de começar a história.
A forma da primeira parte está relacionada a uma experiência com a escrita de teatro e com a necessidade de criar uma indefinição entre as duas amigas, como se fossem tão próximas que suas vozes quase se confundissem. Daí não aparecerem nomes nem descrições das personagens. A ideia é que tudo vá surgindo na conversa entre elas. 

Anos depois, a personagem, mais velha, enfrenta dilemas da idade avançada. São dois momentos que parecem em choque: o receio do futuro, quando jovem, e as ideias sobre o passado, quando idosa. Por que esta maneira de tratar o tempo?
Acho que mais do que um choque há uma espécie de suplementação. Algo que se acrescenta e que vai modificando o sentido de cada um dos tempos. Minha ideia era que o leitor pudesse ir e voltar de um tempo ao outro, passando da juventude à velhice e vice-versa, de modo que a protagonista fosse jovem e velha ao mesmo tempo.

Como avalia a importância do tema "tempo" no livro? A estrutura fragmentada tem relação com as reminiscências imprecisas da personagem?
A fragmentação é a forma da memória. Procurei segui-la na escrita do livro. Na verdade, durante a escrita, foi um movimento duplo: seguir a linearidade do diário, dia após dia, e ao mesmo tempo estar aberta para as intervenções da memória da personagem, que foi se delineando sem muito planejamento prévio.

Gostaria que falasse sobre a relação entre escrita, esquecimento e lembrança, temas fortes na história.
A imagem inicial era a de uma mulher que não para de lembrar. Isso tem a ver com uma frase do filme "As praias de Agnès", de Agnès Vardas, que acabou virando epígrafe do livro: "Eu me lembro enquanto eu vivo". Depois comecei a trabalhar com a ideia de que ela na verdade não queria lembrar, mas também não conseguia evitar a lembrança. Era um movimento contrário ao do pai que via sua memória se perder, então escrevia para guardar as lembranças. Ela escreve de alguma maneira para se livrar delas.

Qual a importância do mar como elemento na construção do enredo? Que simbologia você pensou em criar?
A presença do mar tinha um motivo sobretudo plástico. Pensei inicialmente numa cor que pudesse percorrer todo o livro. Depois ele foi se relacionando cada vez mais com algumas imagens da memória da personagem, principalmente em relação à ausência do pai. Mas não pensei em trabalhar isso simbolicamente.

Você nasceu na Argentina e hoje mora no Brasil. No livro também existe a condição de trânsito, de deslocamento. Talvez não propriamente "biográficas", mas no livro há experiências ou emoções pessoais? 
Há muito neste livro de experiências minhas no que se refere a uma condição de deslocamento, mas, mais até do que em livros anteriores, a experiência está separada das vivências propriamente autobiográficas. Quer dizer, entendo que há uma separação entre a condição e os acontecimentos. E neste livro experimentei muito com isso.

Assim como outros jovens autores dessa geração, você, além de escritora, também pratica a crítica literária. Em que sentido um trabalho favorece o outro? Existe alguma divisão?
Para mim pensar e escrever sobre literatura é sempre uma maneira de estar atenta ao que eu mesma estou buscando no que escrevo. Não acho que haja propriamente uma divisão, porque as duas atividades estão bastante conectadas, mas é claro que são diferentes, com tempos e formas diferentes, inclusive porque no meu caso é como professora e crítica que ganho a vida, então nesse sentido não me relaciono com elas da mesma maneira e talvez possa dizer que sinto mais liberdade no trabalho como escritora.

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