terça-feira, 12 de março de 2013

Urgência social como tema de literatura juvenil


Hugo Viana


A realidade é aproveitada em "Trash", livro de Andy Mulligan: é a matéria principal para a construção de uma ficção levemente engajada. A ideia para a história surgiu quando o autor inglês trabalhou como professor voluntário numa comunidade pobre nas Filipinas; Mulligan atuou ainda no Brasil, Índia e Vietnam, e dessas experiências surgiu uma instigante história que envolve causas sociais, crianças abandonadas e suspense policial. 

O livro começa mais ou menos como literatura juvenil: dois amigos de 14 anos, Raphael e Gardo, vivem num lixão em Bahala (local que parece uma mistura de cidades que o autor visitou e ambientes políticos e sociais em crise), passam o dia coletando porcaria para conseguir juntar poucos dólares. Nada de extraordinário acontece nessa rotina horrível, até que em um dia qualquer Raphael encontra uma bolsa de couro com U$ 1.100 em dinheiro, uma chave e um mapa. Instrumentos que sugerem aventura, a procura por um tesouro, um grande mistério que será desvendado - referências a aspectos essenciais de uma narrativa juvenil. 

Os garotos percebem a importância dessa bolsa quando a polícia vai até o lixão procurando com truculência o conteúdo perdido. Desconfiados, Raphael e Gardo se juntam a Rato, garoto que, pelo tempo que está no lixão, parece gradualmente perder a aparência humana, com bracinhos finos e dentes proeminentes, compartilhando um espaço na sujeira com dezenas de roedores. Os três irão descobrir que ganância, política e dinheiro podem distorcer valores essenciais como respeito e dedicação social. 

Cada trecho do livro é narrado por um personagem diferente; não apenas Raphael, Gardo e Rato, mas outros personagens, alguns com pouca participação efetiva na história. Essa opção parece acelerar o ritmo da aventura ao mesmo tempo em que divide o enredo em ações diferentes, sugerindo assim pontos de vista distintos, como um thriller de suspense policial. Num enredo em que a verdade é um conceito frágil e controlado por quem detém o poder, essa perspectiva fragmentada parece intensificar a proposta da narrativa. 

Depois desse começo, o livro se torna gradualmente mais sombrio, com um enredo que tem, relacionando com a história do Brasil, uma incômoda proximidade com a ditadura, a tortura por motivos políticos e certas manobras criminosas para benefício pessoal. Mulligan já foi criticado quando, em 2010, seu livro foi lançado no exterior; alguns críticos observaram que certos trechos eram pesados, não exatamente adequados a jovens, embora o livro seja constituído através da percepção sobre a vida de adolescentes de países pobres com futuro pouco promissor.  

Durante a progressão da história, o livro enfatiza a imagem ao mesmo tempo sensível e política de três crianças numa montanha de lixo, local onde possivelmente irão viver até a velhice, comentário de Mulligan sobre a realidade inevitável de países de terceiro mundo; no entanto, um pouco pelo prazer de sonhar com outras possibilidades e outro tanto por aparentar gostar dos personagens que criou (possivelmente inspirado em crianças que conheceu), Mulligan cria um final que reverte a tensão que acompanhou o livro e sugere bondade para quem merece. 

CINEMA 

Depois de ser traduzido para 25 idiomas, o livro será adaptado para o cinema pelo diretor Stephen Daldry, o mesmo de Billy Elliot (2000) e O Leitor (2008), e as filmagens, que começam neste ano, acontecerão no Brasil. 

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