segunda-feira, 5 de março de 2012

A expressividade literária de Leonard Cohen

Hugo Viana



A carreira de Leonard Cohen é (merecidamente) reverenciada por seus discos, testamentos quase sempre melancólicos sobre a perda e o possível desapego, mas sua trajetória artística inclui também experiências na literatura, obras que são curiosamente pouco conhecidas.

A editora Cosac Naify lançou neste mês, pouco depois da divulgação do novo disco de Cohen, seu romance de estreia, "A Brincadeira Favorita" (R$ 39,90, 248 páginas), escrito originalmente em 1959, mas publicado apenas em 1963. Três anos depois ele redigiu seu segundo livro, "Adoráveis Perdedores" (ainda inédito no Brasil), encerrado sua curta participação no gênero romance.

O protagonista do livro é Lawrence Breavman, personagem que possui certas semelhanças com Cohen, o que sugere conexões sinuosas entre a criação ficcional e a realidade biográfica. Assim como o cantor e compositor, Breavman nasceu no Canadá, vem de família de judeus, enxerga criticamente a construção social ao seu redor e as imposições de sua crença religiosa. Como numa canção de Cohen, Breavman parece movido pelo amor às mulheres, a dor do desencontro e a procura permanente por algo especial.

A obra pode ser descrita como "livro de geração", o tipo de publicação que fala sobre anseios de uma comunidade através da biografia de um personagem. Essa ideia está no começo do livro, uma primeira página maravilhosamente breve e bem humorada sobre a juventude, com a descrição de ferimentos de guerra, orelhas com furos infeccionados, cicatrizes geradas por acidentes caseiros - supostas imperfeições físicas apresentadas pelo narrador ainda desconhecido como "medalhas", "segredos a serem revelados". "O difícil é ter espinha", diz Breavman, em seguida.

Aos poucos os questionamentos de Lawrence se tornam menos pueris e passam a incluir dúvidas existenciais sobre a legitimidade da religião numa época marcada por consequências da guerra (anos 1950 e 60) e a instabilidade social gerada a partir da evolução econômica dos subúrbios canadenses. A certa altura Lawrence e seu melhor amigo vão a uma festa popular e a tensão que surge quando alguns descobrem a origem judaica (e financeiramente saudável) dos amigos situa esse desconforto, estabelecendo distinções sociais a partir da linguagem e das atitudes.

Dividido em quatro partes, o livro narra mais ou menos linearmente a vida de Breavman, destacando aspectos que aqueles familiares às músicas de Cohen talvez possam reconhecer - não tanto pela repetição de situações, mas pela sensação de continuidade de estilo. É realmente notável o que Cohen é capaz de criar usando poucas palavras, sendo interessante perceber no texto uma certa poesia musical, talvez a herança de quem é habituado a narrar através da estrutura de canções e ainda assim parece capaz de transpor sem perdas sua expressividade para uma narrativa longa.

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