terça-feira, 4 de dezembro de 2012

O macanudismo de Ricardo Liniers


Hugo Viana


Foto: Allan Torres / Folha de Pernambuco

O desenhista argentino Ricardo Liniers, 39 anos, é um pouco como seus personagens, criações que misturam lirismo humorado com uma certa consciência melancólica da existência. Liniers ganhou uma exposição na Caixa Cultural, "Macanudismo", uma interessante antologia de sua obra, que encerrou domingo, e na sexta-feira veio ao Recife lançar o livro "Macanudo #5", que reúne tirinhas que foram publicadas originalmente em jornais argentinos. 

"Meu interesse por desenho começou quando garoto", lembra Liniers. "Eu gostava de Mafalda, e depois sempre encontrei histórias em quadrinhos de acordo com a minha idade. Na infância eu lia Asterix, na adolescência gostava de Robert Crumb, quando adulto passei a conhecer Art Spiegelman", detalha o autor, listando uma espécie de genealogia de sua influência artística - todos esses autores são, em diferentes níveis, presenças fundamentais em sua obra. 

A transição entre esse primeiro momento de leitor aprendiz para o grupo de criadores aconteceu quando Liniers superou expectativas familiares, mudou o rumo da carreira profissional e entrou no jornalismo como ilustrador. "Consegui ser desenhista mesmo com o código genético de advogado", explica Liniers. "Meu pai era advogado e eu cheguei a estudar direito. Mas quando eu tinha 20 e poucos anos conheci outros com a mesma 'doença' que eu, desenhistas, e eles me ajudaram", comenta. 

"Quem me deu confiança nessa época foi Maitena [Burundarena, desenhista do jornal Página 12]. Ela me convidou para trabalhar no 'Página 12', dizendo: 'Você é um gênio', mas eu sequer sabia se conseguiria fazer uma tirinha diária", revela. "Quando comecei no Página 12 eu criei a tira Bon Jour, em que desenhava as ideias mais bizarras e freaks para chamar a atenção", lembra o autor, comentando sua primeira série de envolvente humor nonsense. 

Liniers parece ter entrado no mercado num tempo particularmente especial da cultura pop, um momento fértil em que o compartilhamento de dados suprime facilmente largas distâncias geográficas e políticas. "Tive muita sorte em aparecer justo agora", diz Liniers. "Um editor uma vez me disse que para um desenhista ser publicado deve passar primeiro pelo jornal. Mas com a internet isso mudou, a internet cruza fronteiras. Muita gente usa meus desenhos, em redes sociais e páginas pessoais. Sou a favor do compartilhamento gratuito", ressalta. 

Os quadrinhos de Liniers representam uma espécie triste de alegria, comentários universais sobre os modos da vida contemporânea e a existência um tanto acelerada da sociedade. "Meus desenhos são muito pessoais. Quando comecei não achava que as pessoas teriam paciência para ler. Mas os livros foram sendo publicados em outros países, na Itália, no Brasil, na República Tcheca. Não esperava ter tantos leitores. Eu me belisco todos os dias. Acho que tem gente estranha em todos os lugares", brinca. 

Liniers também revela um prazer especial por autores brasileiros, ilustradores de traço pessoal e reconhecível. "Fábio Zimbres, um desenhista de Porto Alegre, é o autor mais livre que conheço", opina. "Gosto muito do trabalho de Angeli e Laerte. Me dá raiva não existir livros deles na Argentina. Nós temos mais visibilidade na Europa que nos países vizinhos. Ao mesmo tempo, há como um movimento de comics na América Latina que os europeus ainda não conhecem. Eu gostaria de editar esses trabalhos em países latino-americanos", ressalta. 

Hoje em dia Liniers experimenta um projeto mais ousado: se juntou ao escritor mexicano Mario Bellatin para uma proposta em que imagens e palavras se juntam de maneira única. "Ele está adaptando os textos dele aos desenhos, e eu também estou me adaptando ao estilo dele. Acho que há 30 anos isso não seria publicável", comenta. 

INFÂNCIA

"Quando eu vi Guerra nas Estrelas pela primeira vez eu pensei: eu tenho que ter isso em casa. A maneira que encontrei foi fazendo desenhos do filme, versões muito estranhas que criava com meus amigos", comenta o desenhista, que lista, entre outros filmes importantes, "Rocky" e "Tubarão", "porque tinham sangue" 

JORNAL

"Quando comecei as tirinhas 'Macanudo' a Argentina passava por um momento intenso de crise, todas as páginas do jornal eram pessimistas, tivemos cinco presidentes em uma semana. Na última página tinha 'Macanudo'. No Brasil significa algo como 'supimpa', e em Pernambuco acho que significa 'arretado'. É uma palavra meio fora de moda e também irônica, pelo momento particular da Argentina"

ESTILO

"Gosto de um tipo de humor de contracorrente, que tenha tristeza, que fique entre rir e chorar ao mesmo tempo. Um pouco como Charles Chaplin" 

TRADUÇÃO

"Em Praga a personagem Henriqueta se chama Indrishka. Eu perguntei a tradutora se era esse o correspondente, e ela me disse que não, que deu esse nome porque era o de alguém da família dela. Os tchecos são gente muito interessante"

MERCADO

"As HQs estão num momento incrível. Nos anos 1960 e 70 você só podia fazer humor e aventuras de super heróis. Depois começou um processo de liberação. No começo era tudo muito adolescente, depois os autores começaram a amadurecer alguns gêneros, até que hoje finalmente os desenhistas podem fazer o que querem. A HQ se aproximou da literatura. Ninguém diria a Virginia Wolf sobre o que ela devia escrever. Hoje acontece isso com desenhistas"

SERVIÇO

"Macanudo #5" (Zarabatana Books, 96 páginas, R$ 39)

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