segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Gilvan, o mestre da imaginação

Hugo Viana


Gilvan Lemos nunca visitou Olinda. Aos 85 anos, o escritor pernambucano, que nasceu em São Bento do Una, vai à cidade pela primeira vez para receber homenagem da 9ª edição da Bienal, que começou na última sexta-feira e segue até o próximo domingo. "Achei que ninguém sabia que eu existia. Fiquei famoso", brinca o autor, que além da distinção terá dois livros relançados, pela editora Cepe, na Bienal: "O anjo do quarto dia" e "Emissários do Diabo" (na próxima sexta-feira (11), com presença do autor). 

A trajetória de Gilvan apresenta indícios de paixão e força de vontade - o interesse por narrar histórias e a necessidade de vencer obstáculos. "Me tornei escritor de teimoso", diz Gilvan. "Em São Bento não tinha nada, colégio, livraria, biblioteca. Não tinha ninguém para ensinar. Estudei até onde pude sem sair de lá. Meus pais não tinham dinheiro para me mandar estudar fora. Então fiquei em casa sem fazer nada. Até que comecei a ler gibi. E depois comecei eu mesmo a fazer histórias", explica o autor. 

Nesse ambiente em que a produção cultural e o pensamento libertador pareciam recursos dos obstinados, a resistência essencial dos insistentes, Gilvan encontrou amparo na família. "Minha irmã me ajudava nos quadrinhos. Quando eu desenhava lá em casa ficava assim de menino pra ver. Ainda guardo esses gibis. Minha mãe era semi-analfabeta. Se você pegasse uma carta que ela tinha escrito encontraria muitos erros. Mas ela lia Machado de Assis, Dostoievski, adorava Érico Veríssimo", detalha. 

Dessa juventude em que os interesses permaneciam além do horizonte, a vontade de criar era o único avanço possível - a agitação crescente de uma mente imaginativa. "Quando eu tinha 15 anos li 'Conde de Monte Cristo'. Era um livro muito grosso e de letra miúda. Eu adorei. Depois pensei que eu mesmo poderia escrever. Publiquei meu primeiro conto na Revista Alterosa [em março de 1948]. Fiquei conhecido como gênio em São Bento", lembra o escritor. 

O primeiro romance de Gilvan a conquistar espaço no mercado editorial foi "Emissários do Diabo". "A primeira edição foi publicada por empréstimo", diz. "Naquela época, no Recife, existiam três suplementos literários. Mandei para todos, mas não teve nenhuma repercussão. Eu sendo um matutão do Interior ninguém deu bola. Um dos jornalistas me disse depois: 'Livro daqui eu nem abro'. Osman Lins, meu amigo, comentou: 'Não perca tempo, Recife é um cemitério'. Mandei o livro para a Editora Civilização e foi publicado no mesmo mês. Só comecei a ser notado aqui quando fui publicado no Rio de Janeiro", destaca. 

Depois da publicação de "Emissários do Diabo", Gilvan passou a ser reconhecido como autor relevante, um escritor que a partir da realidade, dados do cotidiano, criou histórias que se destacam pela capacidade de revelar aspectos da sociedade, a política psicológica de personagens em crise. Temas presentes também em "O anjo do quarto dia", narrativa que questiona heranças sociais do Interior, o poder de famílias ricas e a sujeira política de corruptos. "Escrevi o livro muito ligeiro. Ouvi uma história de família e achei extraordinária. As pessoas liam e pensavam: 'Esse Gilvan é um mentiroso arretado'", comenta. 

Ao longo de sua trajetória, Gilvan conquistou reconhecimento ao ser publicado por editoras e vencer disputas literárias - negociou contrato com a editora Civilização e ganhou prêmios. "Meu editor na Civilização nunca recusou um livro meu. Até ele morrer e eu ficar na mão", recorda o autor. "O primeiro prêmio literário que ganhei foi 30 mil cruzeiros. Na época papai falou: 'Nunca ganhei tanto dinheiro na minha vida'", diz. 

Atualmente Gilvan ressalta que lê apenas jornal - escrever parece fora de cogitação. "Hoje pego um romance e não lembro se li. Vejo um livro meu e penso, 'Meu Deus, eu escrevi isso'. Não escrevo mais nada. Quando tentava, ficava procurando a palavra que queria usar e não lembrava. O pior castigo de Deus para o homem é a velhice."

Livros

"Emissários do Diabo"

O centro da história é sobre conflitos pela posse de terras. Camilo cultiva pequena propriedade perto da fazendo do tio, o major Germano, que tenta roubar a terra do sobrinho. A partir de um drama social com base realista, motivado por ambição e justiça, Gilvan desenvolve o drama interior de homens duros. 

"O anjo do quarto dia"

Concebido a partir de uma história que o autor ouviu, o livro narra a história de habitantes de uma cidade chamada Logrador, onde vivem à mercê de uma família, os Rezendes. A obra traça paralelos entre personagens e figuras bíblicas, analisando criticamente a religião, a hipocrisia social e a política. 

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