domingo, 18 de dezembro de 2011

O humor crítico de Thomas Bernhard

Hugo Viana



Algo mais ou menos recorrente, embora quase nunca inteiramente divulgado, é o ocasional desacordo, ou mesmo as brigas enfurecidas, que acontecem entre os agentes do meio literário, as pessoas que movimentam o mercado, escritores, editores, jornalistas, críticos.

São pessoas que nos bastidores entram em choque efetivo por formas diferentes de entender a literatura, uma divergência que mesmo sem rastro de manifestação pública interfere diretamente em aspectos políticos da cultura, como os autores eleitos em premiações e os livros que serão escolhidos para publicação.

Esse assunto é o tema de "Meus Prêmios" (Companhia das Letras, 104 páginas, R$ 33), de Thomas Bernhard (1931-1989). O livro, escrito no início dos anos 1980 e publicado apenas em 2009, é composto por nove textos, cada um descrevendo situações imprevisíveis que aconteceram na época em que Thomas foi premiado.

Há também a reprodução de três discursos de agradecimento dessas conquistas, as circunstâncias um tanto tensas em que foram escritos, as críticas ao governo em geral enfáticas que Bernhard ressaltava quando subia ao púlpito, e ainda um último ensaio detalhando o desligamento do escritor da Academia de Língua e Literatura.

Bernhard nasceu na Holanda, mas muito cedo se mudou para a Áustria, nação que de certa forma se tornou assunto opressor de seus textos, sendo um exemplo perfeito do artista amplamente criticado na região em que morou (em especial por nomear abertamente pessoas com poder não inteiramente honestas ou deficiências do país), mas bastante respeitado (e premiado) em outros lugares

Bernhard inicia cada comentário relatando aspectos de sua vida pessoal, pequenas tragédias pessoais ou satisfações de boas vitórias, um pouco como contos autobiográficos, e então encaminha comicamente o texto apontando incoerências da política cultural austríaca, absurdos analisados pelo autor com o distanciamento do humor.

Bernhard fala sobre premiações, indústria, jornalismo, política, a versão definitivamente irônica da história literária da Áustria, e então ele parece marcar sua posição de mercado como um tipo de escritor proscrito, alguém que critica abertamente e com severidade insuspeita de autor machucado as condições políticas pouco favoráveis de seu país.

Não há nada burocrático nos ensaios de Bernhard; cada texto possui 10 ou 15 páginas, comentários escritos no ritmo do texto de ficção, num único e enorme parágrafo, o que sugere uma certa urgência para finalmente falar sobre certos fantasmas do passado (a maioria dos textos descreve casos que ocorreram durante os anos 1960). Bernhard escreve em primeira pessoa, um "eu" que parece atestar uma grande proximidade não inteiramente livre dos assuntos descritos.

Visto como um conjunto único de relatos o livro parece destacar através do humor o que há de picareta não apenas no meio literário austríaco, mas também nos mecanismos da política cultural do país, redes de relações que possuem implicações não inteiramente compreendidas. O mérito de Bernhard parece ser justamente a capacidade de reforçar que há algo errado no setor em que trabalha usando como arma de ataque as palavras, pelas quais acabou premiado.

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