sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

A biografia de um personagem comum

Hugo Viana



Em narrativas tradicionais é o personagem o ponto sensível de interesse, sendo sua jornada uma espécie de réplica em escala menor de um panorama de emoções autênticas. É o que os irmãos Fábio Moon e Gabriel Bá fazem em Daytripper (Panini, R$ 62, 256 páginas), um profundo ensaio sobre vida e morte a partir da história de um homem comum.

A obra venceu em 2011 o importante Prêmio Eisner (em homenagem a Will Eisner, considerado um dos maiores artistas da HQ), confirmando o sucesso da carreira internacional dos irmãos, há 15 anos trabalhando com HQs.

A história fala sobre a vida de Brás de Oliva Domingos, filho de um escritor bem sucedido e chamado por sua mãe de "milagrinho", devido ao seu nascimento em meio a complicações. De certa forma ele vive à sombra das conquistas do pai, escrevendo obituários para um jornal, emprego distante de seus sonhos de autoria literária.

Sua biografia é a de um homem comum; tem a emoção forte da primeira namorada e a sensação definitiva do grande amor, a lembrança tenra do primeiro beijo e a alegria sem medidas de seu primeiro filho, Miguel.

Para narrar essa história fragmentada, que passa por várias décadas, Fábio e Gabriel dividem o livro em capítulos que mostram Brás em diferentes momentos, aos 11, 38, 33, 76 anos, sem uma ordem aparente, apenas seguindo emoções, criando dessa forma um personagem a partir da união de diferentes camadas de afeto.

O enredo tem uma curiosa estrutura em que quanto menor a quantidade de informação maior parece ser o efeito de surpresa e o envolvimento com a história. Basta dizer que os autores desenvolveram uma emocionante função narrativa para a morte, trabalhando a ideia de como cada grande mudança na vida é de certa forma um pequeno fim; rituais de passagem que acumulados implicam no processo subjetivo de amadurecimento e formação de caráter.

Os desenhos dos irmãos são realistas, com personagens e paisagens que parecem produto de observação concreta do mundo. Brás viaja para Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, e a impressão é a de captura da identidade dessas cidades e dos habitantes através de traços e cores precisas - além de uma inteligente maneira de contextualizar a passagem de décadas a partir de roupas e falas.

Aos poucos, no entanto, os desenhos mudam; os aspectos realistas são transformados por um fluxo de imaginação, passando a representar a manifestação de sonhos incompletos, o movimento atravessador da fantasia no cotidiano, a compreensão adequada do efeito do tempo nas coisas e pessoas, algo que está em sintonia com o encaminhamento do personagem.

A HQ trata exclusivamente dos dias que mudam a história de uma pessoa, grandes feitos e derrotas dolorosas, tudo envolvido num profundo interesse de pensar sobre elementos que compõem sentimentos contraditórios do homem.

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