quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Autonomia para escrever novas histórias

Hugo Viana


Raimundo Carrero, 64 anos, programa para este ano uma lista extensa de trabalho. Tem três livros previstos para lançamento, o projeto de criar um centro cultural e a vontade de retornar às oficinas literárias. Entre propostas, ele já comemora algo concreto: em janeiro, voltou a caminhar.

Desde outubro de 2010, quando sofreu um acidente vascular cerebral (AVC), sua rotina era preenchida por fisioterapia e sessões de fonoaudiologia. "As pessoas acham que a gente fica meio doido com o AVC", diz Carrero. "Eu tinha medo de ficar torto, com cara de besta. Agora passou. É doloroso, mas recompensa saber que você venceu a luta."

Carrero recebeu a reportagem da Folha de Pernambuco em sua casa para falar sobre projetos. Em "Às Vésperas do Sol" (ainda sem previsão de lançamento), o autor enfrenta o desafio de tornar público um cotidiano que dura um ano e três meses.

A primeira frase do livro, enunciada pelo escritor durante a entrevista, situa a perplexidade diante da dor: "É profundamente doloroso que um homem cheio de força e de esperança, de sonhos e de alegrias, vá se deitar ao dormir e no meio da noite acorde inútil sem movimentos e parado por muito tempo".

"É muito cruel escrever sobre isso", diz Carrero. "O que mais dói no AVC é você perder a liberdade, a autonomia. No dia que aconteceu eu ia fazer uma palestra em Arcoverde, e quando tentei me levantar o corpo não obedeceu. Pensei, 'Meu Deus, o que é isso', tentei a segunda vez e o corpo não veio, na terceira forcei muito e caí em cima de minha mulher. Ela perguntou o que estava acontecendo, e quando fui falar saiu enrolado. Ela é medica e disse: você está tendo um AVC", lembra Raimundo.

Além dessa biografia, outro livro que Carrero deve lançar em 2012 é "Tangolomango", em que o autor volta a escrever sobre tia Guilhermina, personagem que já apareceu em livros anteriores. "Ela é uma velhinha doida para ser prostituta, mas tinha um medo arretado de homem", explica Raimundo. "A primeira parte se passa durante o Galo da Madrugada. Ela resolve fazer um strip tease em cima da marquise do Trianon, e todo o bloco vê. É uma velhinha safadinha, eu gosto muito dela. Ela é muito afetuosa, carinhosa", diz.

No livro, Carrero mais uma vez trata das relações entre sexo e religião, desejo e fé. "Outro personagem é Mateus, que matou a mãe e a irmã, estuprou as duas e depois matou, e foi criado por sua tia, Guilhermina. Ela tomava banho nua com ele e cantava tango", adianta o autor. Seus personagens, mesmo envolvidos no limite entre amor e morte, sexo e violência, são tratados com sensibilidade. "São personagens que gostam de viver. Safadeza é outra coisa", ressalta.

Carrero fala sobre o livro ainda em construção segurando o manuscrito do primeiro capítulo, recém enviado para a Record. "Eu estava achando uma merda, mas aí minha editora, Luciana, disse: continue, que coisa bonita, que texto ótimo. Aí eu me animei", brinca Carrero. Seu terceiro lançamento é de certa forma um desdobramento desse receio comum a artistas, uma contribuição para jovens autores: "Assim Nasce um Escritor".

De forma parecida com dois livros anteriores ("Os Segredos da Ficção", de 2005, e "A Preparação do Escritor", de 2009), Carrero defende técnicas para a criação literária. "Músico aprende, bailarino aprende, e então por que escritor também não poderia aprender?", comenta.

"Não são regras, mas técnicas. Por exemplo, o clichê: usar apenas quando essencial. É melhor usar um clichê do que inventar uma frase ruim." Outro exemplo: "Não se deve usar expressões como 'via de regra' ou 'por outro lado'. São frases eróticas, não literárias. Se você está lendo um texto trágico e de repente encontra algo assim, acaba o drama do texto", brinca.

Carrero promete também a criação de um centro cultural, programado para estrear "logo que eu possa administrar". "Comprei uma casa para isso: juntar teatro, cinema e literatura. Fica na Avenida Norte, esquina com a Rua José Carvalheira, na Tamarineira. Vai ter oficinas, auditório e palco, para encenar peças e exibir curtas-metragens", adianta.

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