segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Busca por um modernismo "brasileiro"

Hugo Viana

A Semana de Arte Moderna, que comemora hoje 90 anos, permanece como um dos enigmas da história cultural brasileira, um evento cercado por mitos nem sempre verdadeiros e julgamentos algumas vezes injustos - aspectos que dificultam a devida avaliação de seu legado.

Um dos pensamentos críticos em torno da Semana é o que reforça que, ao mesmo tempo em que o modernismo chegava a São Paulo, tendo a Semana como símbolo, em outros lugares do Brasil também eclodiam movimentos semelhantes. "A Semana de 1922 é apenas um dos movimentos modernistas no Brasil, e não 'o modernismo', como quer fazer crer a história da literatura que vem sendo escrita nas últimas décadas", comenta o professor do Departamento de Letras da UFPE Anco Márcio Tenório Vieira.

Um dos motivos para essa avaliação talvez grandiosa sobre a Semana tem base na força política e econômica do local onde o evento ocorreu. "São Paulo já era uma grande metrópole em 1920, uma cidade cosmopolita", lembra Carolina Leão, autora do livro "Crônicas do Cotidiano", sobre Gilberto Freyre, doutora em sociologia e gerente de literatura e editoração da Fundação de Cultura da Prefeitura do Recife. "Nosso modernismo não pode ser comparado ao de São Paulo porque lá eles eram mais visionários. Aqui não teve uma semana, um manifesto muito definido. Existiam blocos, segmentos no cinema, nas artes plásticas, na literatura, mas seria exagero comparar com o modernismo de São Paulo", avalia Carolina.

Uma das figuras essenciais do modernismo regionalista foi Gilberto Freyre. "Em 1926 ele lançou o Movimento Regionalista, em que ele diz que o movimento de São Paulo é pouco brasileiro. Ele fala sobre uma arte com comprometimento com a realidade nordestina, daí escreve sobre a renda, a tapioca, o coco - elementos da cultura pernambucana que são pitorescos, que deveriam ser valorizados. Essas ideias foram incorporadas por artistas como Lula Cardoso Ayres e Vicente do Rego Monteiro. Freyre se aliou a eles, falando que a influência europeia não pode ser determinante. E é aí que surge uma rusga ente São Paulo e Pernambuco, como se lá fosse mais burguesa e voltada ao que é estrangeiro", reforça a pesquisadora.

Anco Márcio localiza um dos legados do modernismo de São Paulo num momento posterior, na forma como a prosa de alguns autores influenciou obras imediatamente sequentes de outros escritores. "Dos modernismos brasileiros, dois foram os mais importantes: o de São Paulo e o que vem do Nordeste, a partir de Pernambuco: a Semana Regionalista de 1926. Não se pode pensar o romance de 1930 sem o Regionalismo freyreano de 1926. Autores como Graciliano Ramos, José Lins do Rego e Jorge Amado vendiam milhares de romances. O romance de Mário de Andrade influenciou outros escritores, mas não a sensibilidade do grande público. Diverso do romance regionalista, que influenciou tanto os escritores quanto o público leitor", reflete.

A década de 1920 foi um período influenciado por ideias da vanguarda europeia, em que a forma de pensar a cultura e as maneiras de exercer o ofício artístico passavam por transformações. "Só que diverso dos muitos 'ismos' europeus que lhes são contemporâneos, os modernismos brasileiros não pregam apenas as rupturas das formas, mas a construção de um novo olhar sobre o Brasil", explica Anco. "Em outras palavras: enquanto na Europa as artes vão se voltando cada vez mais para a própria linguagem em si - daí ser menos importante o tema abordado, o que se diz, e vai tomando relevância o 'como' se diz - no Brasil o que dizer é tão importante quanto o como dizer, não raras vezes este sobrepondo àquele", ressalta o professor.

Legado do modernismo à contemporaneidade

"É importante observar que essa nova sensibilidade artística só se consolida de fato nos anos 1930, quando o modernismo é encerrado pela revolução de 1930, quando os modernistas vão dominar o aparelho de Estado, principalmente por meio do Ministério da Educação, à frente Gustavo Capanema", argumenta Anco. "Mas não podemos esquecer o papel da imprensa como difusor dessa nova sensibilidade. Pois era na imprensa que esses autores escreviam. E esta nova sensibilidade se dá na própria sintaxe e no uso do vocabulário. Lembremos o pioneiro manual de redação do jornal A Província (o primeiro manual do Brasil e um dos primeiros do mundo), de Pernambuco, que a partir de 1928 teve Gilberto Freyre como editor. Freyre passou a normatizar a linguagem jornalística, tirando-lhe o seu viço retórico. Em vez de escrever 'genitora' agora devia se escrever 'mãe'; em vez de 'topografia' devia se escrever 'paisagem'", pontua. "Ele modernizou a linguagem, deixou mais fluida, próxima do lead, algo que incorporou quando morou nos Estados Unidos", resume Carolina.

Vendo a Semana de 1922 com um distanciamento maior, procurando vestígios dessas ideias na literatura contemporânea, é possível encontrar vínculos que apenas fortalecem uma espécie de progressão natural da história. "A literatura contemporânea dilui experiências anteriores, já que pouco ou nada se renova em termos de linguagem", comenta Anco. "É o caso de Francisco Dantas, que retoma o projeto regionalista pelo viés de Guimarães Rosa; ou de Milton Hatoum, que dialoga claramente com a prosa de Graciliano Ramos, no que diz respeito ao enxugamento da palavra, da frase. Se 1930 tratou da periferia geográfica do Brasil, a literatura pós-moderna brasileira trata da periferia dos grandes centros. É como uma atualização dos problemas: o Brasil arcaico continua subsistindo à modernidade, só que agora ele está no nosso quintal. Pode ser Manaus, Recife, Rio de Janeiro, São Paulo ou Porto Alegre", explica.

"Semana foi reflexo do que acontecia no mundo"


(Foto: Renato Parada)

Com o passar dos anos a Semana de Arte Moderna de 1922 se tornou um momento em que intelectuais e historiadores voltam a examinar, procurando entender possíveis desdobramentos, buscando propagar reflexões e reavaliar a importância dos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922 para a cultura brasileira. O novo lançamento com esse interesse é "1922: A Semana que Não Terminou", (Companhia das Letras, 376 páginas, R$ 49), do escritor e jornalista Marcos Augusto Gonçalves. O livro reflete a formação do autor; o texto tem fluência jornalística ao mesmo tempo em que propõe um resgate histórico, baseado em grande parte num senso de apuração, recorrendo a entrevistas, pesquisa por documentos e registros da época.

Como surgiu a ideia para o livro? Qual seu interesse em escrever sobre a Semana de Arte Moderna?
A ideia surgiu da Companhia das Letras. Estava conversando com Luiz Schwarcz (editor) sobre a perspectiva de fazer um livro. Eu estava buscando um tema de fôlego. Eu pensei em algo sobre Oswald de Andrade, e então, dentro do contexto proposto, Luiz sugeriu a Semana de Arte Moderna. Fiquei na dúvida, já que é um assunto muito pesquisado, mas depois me animei.

O livro trata de eventos históricos, personagens autênticos, com muitos detalhes. Como foi a pesquisa? Quanto tempo demorou a pesquisa e a escrita?
A escrita demorou sete meses, enquanto a pesquisa durou mais ou menos três anos. Existe uma bibliografia extensa, já que é um assunto muito explorado nas universidades. Entrevistei autores, intelectuais que conheceram pessoas da época, como Antônio Cândido, José Miguel Wisnik, Augusto de Campos - ao todo, mais de 20 pessoas. Uma coisa interessante que descobri foi no Museu de Imagem e Som do Rio de Janeiro. Encontrei depoimentos em áudio de participantes, gravados na época, como um de Menotti Del Picchia.

Agora é comemorado os 90 anos da Semana de Arte Moderna. O que você comentaria sobre o legado e a influência dessa importante data para a história cultural brasileira?
Destacaria dois aspectos do legado não da semana em si, mas do modernismo, que é algo mais amplo. O primeiro é a liberdade de pesquisa estética, a possibilidade de explorar novos territórios da arte. O segundo é a criação de uma arte ao mesmo tempo brasileira e internacional, algo formulado em 1928 por Oswald de Andrade no "Manifesto Antropofágico". Esse método de apropriação da linguagem de outros países, a dialética nacional e internacional, é algo muito presente, por exemplo, no Tropicalismo.

Depois de seu envolvimento com o tema, o que diria sobre os mitos criados em torno da semana, as críticas e os elogios?
A semana se tornou marco do modernismo. E acho que como marco histórico, ela sinaliza um momento de mudança de mentalidade. Esse não foi um fato extraordinário, e sim reflexo de mudanças que aconteciam no mundo. É um marco cultural importante, especialmente se considerarmos a evolução dos artistas envolvidos nos anos sequentes.

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