segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Excessos da geração dos anos 1980

Hugo Viana



Alguns livros conseguem através da ficção falar precisamente sobre uma época, comentar de um jeito informal o estado de espírito de uma geração. Quando lidos décadas depois parecem importantes documentos históricos, provas não oficiais que representam um determinado período. É mais ou menos o caso de "Abaixo de Zero" (176 páginas, R$ 15), de Bret Easton Ellis, escrito em 1985 e relançado neste mês pela editora L&PM em versão de bolso.

Bret escreveu o livro aos 21 anos, o primeiro em sua carreira, o que sugere uma certa exposição biográfica, a possível manifestação de ideias ou situações pessoais. A história fala sobre Clay, 18 anos, filho de uma família muito rica de Los Angeles. Ele volta de viagem, de férias da faculdade, e reencontra amigos e familiares. Clay parece gradualmente mais distante, afasta com mãos cada vez mais trêmulas as pessoas de perto, é descrito por todos como "muito pálido", em meio a colegas artificialmente bronzeados.

A rotina dessas pessoas muito ricas e com todo o tempo livre inclui noites longas, festas em que bebidas, cocaína e maconha não terminam, nenhuma regra sexual. Eles usam óculos escuros à noite, talvez pela sugestão decadente de glamour, e passam o tempo curando a ressaca com outros tipos de drogas. Surpreende como esse claro excesso narrativo não parece tratado como descuido moral ou vocação para a ruína; é um tipo natural de exagero, escrito sem o peso vingativo do julgamento, quase como um retrato instantâneo de uma época.

Parte da história é dedicada à descrição de paisagens e pessoas, ruas largas e vazias às 3h da manhã e breves perfis de personagens que aparecem apenas em uma ou duas páginas. Com a ausência de uma estrutura tradicional, o livro é composto por pequenos trechos narrados no fluxo de pensamentos de Clay, tópicos que parecem comentar um certo incômodo que atinge alguém que tem meios financeiros e educação superior, mas sente sozinho a pergunta "E agora?".

Ellis sugere esse vazio através de metáforas que voltam ao longo do texto, como a frase "As pessoas têm medo de mudar de pista", repetida por Clay logo na primeira frase do livro, ou um outdoor que diz "Desapareça aqui" - dois argumentos que determinam motivações na iminência de acontecer.

O livro lembra "A Primeira Noite de um Homem" (1967), que por coincidência também é o primeiro de Charles Webb, e trata do mesmo instante: a vida depois da faculdade, a pressão da escolha e o assombro das mudanças. Também lembra "Tanto Faz" (1981), de Reinaldo Moraes, não tanto pelos personagens, que na história de Moraes sofrem para viver com pouco dinheiro, mas pela sensação de escrever indiretamente sobre pessoas de uma geração com um tipo peculiar de humor.

A história de "Abaixo de Zero" foi retomada em 2011, no livro "Suítes Imperiais" (Rocco), voltando a esses mesmos personagens, mas agora adultos.

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