segunda-feira, 2 de abril de 2012

Mergulho numa delicada relação

Hugo Viana



Existe algo ao mesmo tempo solitário e sentimental na experiência visual proposta pelo desenhista francês Bastien Vivès na graphic novel "O Gosto do Cloro" (Leya Brasil, 144 páginas, R$ 49,90). Nesta pequena história silenciosa, Bastien parece recriar com delicadeza emoções do começo do amor, mas a partir de um curioso ponto narrativo, a piscina, os corpos que se movimentam sem conversar e quase anonimamente em locais públicos.

Uma dúvida natural de pessoas que trabalham com artes visuais é decidir qual deve ser o ponto de vista da cena, optar pelo ângulo do enquadramento adequado para narrar a história, e a sensação nesta HQ é que Bastien está correto 100% das vezes. "Eu tentei uma narração cinematográfica", explica o autor. "Eu venho de uma escola de animação. Com o tempo eu fui descobrindo o poder dos quadrinhos, e é incrível. Não há limites. É uma arte autêntica e você pode descrever tudo o que quiser apenas com um lápis e um papel", diz.

A história é simples, um jovem com dor nas costas é aconselhado por seu massagista a fazer algum tipo de esporte, e então esse homem começa a frequentar a piscina de um clube, a pequena rotina de trocar de roupa, ir ao chuveiro e mergulhar. A princípio esse protagonista silencioso não tem qualquer habilidade ou noção de espaço, esbarrando nas braçadas da raia vizinha e olhando furtivamente para as pessoas tentando entender melhor o meio no qual está inserido.

Tudo muda quando por acaso ele conhece uma nadadora exemplar, vencedora de um campeonato regional e que se exercita no mesmo clube. Ele então passa a admirar em silêncio seus movimentos e aos poucos começa a aguardar ansiosamente novos encontros casuais. Surpreende como essa aproximação ocorre com poucas palavras, baseada quase exclusivamente no movimento de corpos embaixo d'água. "O silêncio nesse livro foi apenas por realismo: quando você está numa piscina, você não fala. E então desse jeito cada palavra é muito importante", comenta Bastien.

Algo que surpreende no trabalho de Vivès é o uso do espaço como uma espécie de reflexo emocional de seu personagem, a capacidade de em poucas imagens sugerir um certo mapeamento afetivo sobre pessoas que se conhecem brevemente e sentimentos que adquirem força inesperada no cotidiano. "Quando comecei a criar essa história percebi que precisava de muito espaço na imagem para descrever todas as coisas que eu queria mostrar. Quando no desenho se usa poucas palavras e algumas elipses, é possível dizer muita coisa", ressalta o autor.

A história ocorre exclusivamente nesse ambiente da piscina, sempre às quartas-feiras, quando o jovem protagonista vai se exercitar na esperança de encontrar sua nova amiga. Os desenhos de Bastien possuem um interessante fascínio pelo efeito da luz e da água no corpo humano, desenvolvendo de maneira quase impressionista os movimentos de nadadores a partir de diferentes pontos de vista, dentro ou fora da piscina. "Eu tinha algumas emoções para descrever com esses corpos embaixo d'água", diz Vivès. "Umas das coisas que achei interessante era a viagem entre realidade e imaginação nessa relação embaixo d'água", reflete.

Ao mesmo tempo, existe também algo de muito singelo no relacionamento entre o homem e a mulher. Já perto do fim acontece um breve momento que parece sugerir um encaminhamento emocionalmente discreto sobre aspectos que permanecem indefinidos num relacionamento. Enquanto estão embaixo d'água, a mulher soletra algo para o rapaz, que não compreende, e a dúvida gerada pela falta de compreensão insinua algo maior. "Na relação entre duas pessoas, por motivos diversos, há muitas coisas que nós não dizemos, vemos ou sentimos. No fim, eu queria descrever essa sensação", explica Bastien.

Um comentário: