quinta-feira, 5 de abril de 2012

Realidade dura pela ótica infantil

Hugo Viana



Algo interessante de perceber em cada livro é notar quem conta a história, a identidade do narrador que relata ao leitor o enredo. No caso de "Festa no Covil" (Companhia das Letras, 96 páginas, R$ 29,50), escrito pelo mexicano Juan Pablo Villalobos, o narrador é uma criança, jovem o bastante para não ter a medida exata das coisas. É então através de uma certa inocência infantil que Villalobos trata de uma realidade brutal, a violência social do México, o tráfico, mas uma dureza atenuada pela incompreensão de uma criança.

"Conforme comecei a escrever passei a buscar uma voz narrativa que me pegasse, que me atraísse também como leitor", explica Juan. "Eu como leitor gosto de livros com voz narrativa interessante. Primeiro testei a voz em terceira pessoa, transparente, a voz que sabe de tudo e vê a ação de fora. Depois percebi que era melhor narrar pela perspectiva de alguém dentro da história. Quando surgiu a voz do garoto gostei primeiro por motivos estilísticos, uma voz humorística. E por ser uma criança eu não precisava me preocupar tanto em ser politicamente correto, com questões morais ou em propor soluções para o tráfico e a violência", avalia o autor.

Tochtli é filho de um poderoso traficante, Yolcault. Tochtli não sabe bem o motivo, mas vive preso em casa, residência que ele chama de "reino". É cercado por adultos, que na verdade são prostitutas, assassinos, capangas, mas no entanto Tochtli não consegue dar conta da natureza dessa realidade. "Acho que uma das coisas interessantes do livro ao assumir a perspectiva da criança é essa mistura entre crueldade e inocência. Crianças são assim, ao mesmo tempo inocentes e cruéis", sugere Juan.

Por tratar do tráfico, o texto de Villalobos parece naturalmente enfrentar temas políticos do México contemporâneo. "Toda narrativa tem conotação política, não só os livros que têm discurso político direto", reflete o autor.

"A literatura em geral é política em outros sentidos. No meu caso a leitura política é muito direta, o tráfico, a realidade mexicana, a violência. Não foi uma questão que surgiu de forma inocente ou ingênua. Mas num primeiro momento eu estava mais interessado na historia íntima de pai e filho, os valores em jogo - ou nesse caso anti-valores -, e no segundo momento a questão política. Ou seja, eu tinha neste livro outras motivações iniciais que não eram exclusivamente políticas. Acho que quando a questão política fica em primeira importância o resultado literário ou artístico não é tão bom", opina Juan.

O livro trata da paternidade, da relação entre pai e filho, e veio num momento particular da história pessoal de Juan. "Comecei a escrever o romance quando fiquei sabendo que minha mulher estava grávida", diz o autor. "Foi o que me motivou a pensar na história. É um romance de iniciação, uma reflexão sobre a paternidade, a aprendizagem da cultura da violência", detalha.

No livro, o México é não apenas cenário mas também um certo estado de espírito de uma época. "Ao longo do texto uma frase é repetida duas ou três vezes, que o México é um país 'magnífico mas também nefasto'. Essa é um pouco a relação que nós mexicanos temos com o México. Um pouco como aqui no Brasil: reclamamos porque gostamos muito. Gostar muito e odiar muito", ressalta o escritor.

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