segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Ilusão de magia em mundo brutal


Hugo Viana


Diomedes é um detetive particular, policial aposentando, nunca resolveu um crime, se for comprar um terno deve, provavelmente, escolher o tamanho extra-mini-GG, por ser minúsculo em altura e ao mesmo tempo enorme para os lados. Sua mulher, Judite, assustadora de feia, lhe coloca chifres periódicos com o homem que conserta a TV. As opiniões sobre Diomedes divergem: ele pensa ser um bom profissional, todos os outros acreditam unanimemente que ele é um perdedor. 


Esse fascinante personagem é o protagonista de "Diomedes" (432 páginas, R$ 59), uma "trilogia em quatro partes" ("O Dobro de Cinco", "O Rei do Ponto" e "A Soma de Tudo" - esta última dividida em dois segmentos), HQ de Lourenço Mutarelli lançada originalmente entre 1997 e 2002, pela Devir, mas esgotada há alguns anos, e agora relançada em edição de luxo pela Companhia das Letras, com esboços inéditos e texto do autor detalhando motivações. 


Mutarelli explica em depoimento revelador que Diomedes foi livremente inspirado em seu pai, não pelo aspecto derrotado, mas na ideia de um policial que conta habilmente histórias incríveis e piadas toscas em momentos inapropriados. Foi o pai do autor que o apresentou às artes gráficas, mostrando os clássicos da narrativa sequencial, e seu desejo neste projeto era criar um enredo formatado nos códigos do gênero policial, propostas que na época, no Brasil, não eram tão comuns, pelo tamanho e tema. 


O autor, então, dedicou-se a fazer uma "história que eu gostaria de ler". "Sentia falta da ação e da aventura tão presentes nos clássicos apresentados pelo meu pai", escreve Mutarelli, no texto que encerra a obra. "Eu pensava no glamour mostrado nos filmes e na literatura policial e pensava nesses homens, como meu pai, nesses seres que simplesmente trabalhavam como policiais. Pensava no meu pai chegando em casa, pensava em seus pequenos sonhos... inalcançáveis... pensava no quanto a realidade se distanciava da ficção. Pensava em como a morte do cinema era diferente da morte registrada pela perícia técnica", revelou. 


As quatro partes desta trilogia são meio independentes, tratando de três enredos diferentes, mas com os mesmos personagens. A primeira delas é a mais especial e de certa forma expõe um argumento que será o tema de toda a obra: um jovem rico contrata Diomedes para encontrar Enigmo, um mágico desaparecido há muitos anos, que fez muito sucesso, levantando na época a suspeita se suas magias não seriam, de fato, verdades. É essa jornada que irá mudar a vida de Diomedes, levando-o a encontrar ícones da cultura pop, como Tintin, ou o próprio Mutarelli. 


Essa busca por Enigmo pode ser vista como alegórica, uma dúvida sobre a presença da magia, ou talvez da fantasia, da ilusão de algo especial, num mundo brutalmente habitado por corruptos e assassinos. O real destino de Enigmo não será revelado, e é a permanência da dúvida que de certa forma motiva o relativo desgosto existencial proposto pela HQ. 

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