quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Política (e sexo) nos anos 1980

Hugo Viana

Primeiros livros de jovens escritores costumam revelar uma certa exposição biográfica, a manifestação de ideias ou situações pessoais como parte fundamental do enredo. O primeiro livro do haitiano Dany Laferrière tem o surpreendente nome "Como Fazer Amor com um Negro sem se Cansar" (Editora 34, 152 páginas, R$ 35) e é baseado em grande parte em suas experiências - em alguns trechos despudoradamente - pessoais. 


O livro foi escrito em 1985, quando o autor morava no Canadá, escapando da ditadura de Duvalier. Em Montreal, Dany iniciou o que depois chamou de "uma autobiografia americana", em que, nos dez primeiros livros (ele publicou 19), escrevia sobre sua vida longe do Haiti, mas sempre sugerindo a herança cultural e as tradições haitianas em seus textos. 


Este lançamento trata do cotidiano meio desleixado de dois negros morando juntos num apartamento constantemente descrito como, na melhor das hipóteses, uma pocilga em que, no apartamento de cima, mora o próprio Belzebu. O narrador se refere a si mesmo como o Velho, ou Negro, um jovem que tenta escrever seu primeiro livro, e seu amigo se chama Buba, que passa boa parte do tempo dormindo, ouvindo jazz e lendo o Corão. 


O Velho é um tipo de alter ego de Dany, um meio para o escritor colocar no enredo sua própria história. Em entrevista à Folha de Pernambuco, durante sua participação na Flip deste ano, o escritor comentou que em sua literatura ele "utiliza elementos da vida cotidiana". "Para mim a literatura é lembrar, então meus livros têm que se parecer com minhas experiências passadas. A inspiração não vem de cima, vem da base, do que vivi", explicou o autor. 


Nesse sentido "Como Fazer Amor..." parte de uma noção biográfica, relatando através das técnicas da ficção o cotidiano de Dany nos primeiros anos no Canadá. Mas em seguida essa rotina parece se transformar em algo maior, uma espécie de bem humorado depoimento político sobre a condição do homem negro num ambiente dominado por um grupo social que se convencionou chamar de WASP (sigla em inglês que significa "branco, anglo-saxão e protestante"). 


É através do sexo que surge essa relação política; o Velho se relaciona com mocinhas universitárias que tentavam superar fronteiras de cor e classe social e se libertar de uma concepção um tanto frígida de vida. É essa parte do enredo que transforma o livro num curioso, e muitas vezes sexualmente, humorado panorama sobre política e cultura nos anos 1980.

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