terça-feira, 9 de julho de 2013

"Um operário em férias" que não para de trabalhar

Hugo Viana



Escrever livros é uma ocupação mais ou menos sem regras, que envolve métodos desenvolvidos de acordo com as perspectivas de cada autor. O trabalho em jornal, no entanto, segue certos parâmetros da redação jornalística. Cristovão Tezza, que já venceu, entre outros, o Prêmio Academia Brasileira de Letras e o Jabuti, foi convidado, em 2008, a escrever uma coluna semanal no jornal curitibano Gazeta do Povo. Esses textos, que refletem o trabalho do autor em se apropriar de normas jornalísticas ao mesmo tempo em que explora seu reconhecido estilo literário, podem ser lidos em "Um operário de férias". 

O livro, sugerido ao autor por Luciana Villas-Boas quando ainda era editora na Record, foi organizado por Christian Schwartz, que além de tradutor e jornalista é "vizinho e também torcedor do Atlético", como ressalta Tezza. "Ele teve a generosidade de fazer a seleção, organização e apresentação das crônicas. Todas as escolhas foram integralmente dele. Eu só vi como ficou depois de o livro estar praticamente pronto. Este olhar de fora foi importante para mim, que sou um cronista novato - e um tanto inseguro", explica o autor. O resultado é a reunião de 100 crônicas (de um total de 250 escritas para o jornal), divididas em tópicos vastos: "Vida de torcedor", "Terça-feira", "Curitiba no divã", "De volta à vida real", entre outros. 

A crônica é um gênero de construção livre, em que o autor pode explorar assuntos variados, temas filtrados por sua própria percepção. Nos textos reunidos é possível notar os interesses diversos de Tezza; ele fala sobre futebol, gastronomia, rotina, além de literatura e do próprio leitor. A proposta é apresentar um panorama amplo do cotidiano através do olhar do cronista, mas sem a atmosfera particular de um romance; a partir de incentivos conceituais, o autor escreve textos breves, humorados e eruditos, que ressaltam o prazer pela escrita e o ato de contar histórias. 

Na lista de distinções imediatas entre escrever literatura e assinar uma coluna de jornal, Tezza ressalta um ponto essencial: o leitor. "O jornal de certa forma obriga-nos a pensar no leitor. Uma crônica é um texto imediato, quase sempre sobre assuntos do dia - nessa 'conversa' do cronista, você pensa intuitivamente no leitor, prevê suas reações, antecipa seus argumentos, coloca-se de forma mais ou menos clara diante dos temas que comenta. Por mais 'literário' que seja o texto, há sempre o peso pragmático da 'página do jornal', o seu momento concreto. Na literatura esse processo é completamente diferente, muito mais livre e solto", reflete. 

O título do livro insinua a natureza das conversas propostas por Tezza; um autor que em seu período "livre" trata a literatura a partir de outra possibilidade narrativa. "O título foi sugerido pelo Christian, que tirou de uma crônica. É interessante essa ideia da crônica como 'férias'. Mas as coisas não são assim de fato - a crônica para mim é trabalho pesado. Toda terça-feira tem de sair o texto. Na verdade, depois que me demiti da universidade, a atividade de cronista é a única "profissão" que me restou. Há esse sentido mesmo de obrigação. Mas, como todo trabalho que a gente gosta, ser cronista também me diverte. Não estabeleço hierarquia entre o cronista e o romancista. São atividades substancialmente diferentes, cada uma com seu jeito próprio.

Atualmente o autor trabalha num novo livro. Depois de "Beatriz" (2011) e "O espírito da prosa" (2012), obras que compilam textos curtos, Tezza retorna ao romance, gênero que o consagrou com obras como "O filho eterno" (2007) e "Um erro emocional" (2010). "Estou tocando um novo romance, que deve ficar pronto em 2014. Por isso estou viajando pouco este ano - estava sentindo falta de concentração para trabalhar. E eu só consigo escrever literatura em casa", diz o autor, sem adiantar detalhes.

"Crônica não é literatura"

Nas crônicas, você trata de diferentes temas, literatura, futebol, gastronomia; o que diz sobre essa liberdade criativa, ao mesmo tempo em que existe a restrição quanto ao tamanho de um texto para jornal?
A liberdade temática da crônica é sensacional. Não há tema proibido para um cronista. Mas é uma liberdade mais ou menos ilusória, porque há uma espécie de "cercado". A primeira limitação é a extensão do texto de jornal. Nunca na vida havia me preocupado com limite de texto. Como escritor, meus textos estabelecem seu próprio limite. E, na produção acadêmica - dos meus tempos de professor -, parece sempre que, quanto mais você escreve, mais competente você é (o que é uma ilusão engraçada…). Pois bem, pela primeira vez tive de enfrentar rigidamente o limite de espaço. O que acabou por ser uma interessante educação formal. Meus textos têm sempre entre 2.800 e 2.900 toques. Quando passam disso, eu sempre corto alguma coisa para se encaixar no padrão. Essa é a primeira limitação; a segunda é a linguagem. Se o cronista tem toda a liberdade temática do mundo, o mesmo não ocorre com sua linguagem. Há uma linguagem de jornal que não é literatura, e que deve ser respeitada. Isso fui aprendendo aos poucos. 

Seus últimos três livros, "Beatriz", "O espírito da prosa" e, agora, "Operário em férias", são compostos por textos curtos. Em que sentido a escrita de um texto assim é diferente da composição de um romance? 
Bem, "O espírito da prosa" tem capítulos mais ou menos curtos, mas é um ensaio unitário, e não um conjunto de textos avulsos. Já os contos são literatura em estado puro, por assim dizer. Posso compará-los com os romances, e, aí sim, a extensão faz uma diferença formal importante que se reflete em todos os outros aspectos da obra. Mas a crônica é outra coisa; para mim, crônica não é literatura. Ela pode se apropriar de alguns aspectos da literatura, mas não se confunde com ela. A crônica sempre tem uma objetividade maior; é um gênero mais pragmático. Para mim, é uma conversa quase que direta com o leitor.

"Um operário de férias", de Cristovão Tezza
Editora Record, 232 páginas, R$ 34,90

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