quarta-feira, 24 de julho de 2013

Lembranças poéticas da infância

Hugo Viana
 



Em seus textos, a poeta carioca Bruna Beber, 29 anos, explora uma mistura intrigante entre humor e tragédia. Seu terceiro livro, "Rua da Padaria", é composto por poemas que parecem retratos instantâneos de um cotidiano urbano, pequenas narrativas de uma infância afastada pela distância; uma atmosfera marcada por afetos e lembranças modificadas pelo tempo. São textos geralmente curtos, em que a brevidade parece ressaltar um complexo e gradual aprofundamento emocional. Nesta entrevista, a autora reflete sobre o potencial da poesia no mercado editorial e comenta seus processos criativos. 

Gostaria que falasse sobre o mercado editorial e como a poesia é percebida por editores e leitores.
O principal enrosco dos livros de poesia no Brasil é a distribuição. É caro, precisa de estrutura, e o mercado, além de competitivo, cresceu muito nos últimos anos. Acho que a distribuição de poesia é pior porque há a ideia de que poesia não vende. Mas as pessoas gostam. Mas o leitor de poesia tem outro tempo. Publicar hoje em dia é mais fácil do que era há 10 anos. Há ainda o jeito antigo, uma editora se interessar pelo seu trabalho, mas você também pode pagar para publicar e ser razoavelmente distribuído. Você pode ganhar uma bolsa para escrever, e já existem, inclusive, várias ferramentas de autopublicação, como sites, gráficas sob demanda.

A ligação entre os textos de "Rua da Padaria" é a infância/juventude no Rio de Janeiro. Como chegou a esse recorte? 
Esse período da vida, nascimento e crescimento, passado na Baixada Fluminense do Rio, me marcou demais. Passava boa parte do tempo na rua, brinquei, inventei, fui feliz. Cresci próxima de pessoas de vários estados do Brasil. Essas pessoas eram interessantes, traziam histórias, eram figuras peculiares em quase tudo: no jeito de vestir, falar, brincar. Eram pessoas que normalmente tinham filhos muito cedo, então os adultos também brincavam com a gente, ensinavam brincadeiras, cantigas. Dessa fonte eu absorvi a oralidade, que quis registrar no livro.

Qual a importância do tempo na sua construção poética? Quando percebe que um poema (e, depois, um livro) terminou? 
"Rua da padaria" foi o livro que eu demorei mais tempo pra terminar, quatro anos. Ele acordou e dormiu muitas vezes, passou por diversas fases e esse tempo me ajudou na investigação da linguagem e do universo que escolhi. Eu experimentei o tanto que pude com esses poemas, até eles perderem o sentido inicial e ganharem novos: uns viraram música, outros transformei em objetos, e a maior parte deles eu reescrevi de muitas formas, os traduzi para outras línguas, os li em público e pedi que outras pessoas lessem, em situações distintas. Eu cantei esses poemas, eu convivi com eles escritos em objetos na sala da minha casa, eu vivi fisicamente com eles. E então, depois de muito aprontar, me satisfiz e os libertei.

Parece existir tensão entre humor delicado e tragédia íntima nos poemas. Qual a atmosfera que envolve os textos? 
Acho que esses poemas exploram o afeto, sobretudo, e o que vejo como caro e eterno. Vejo assim a infância: cara e eterna. A minha foi muito marcante, então decidi cantá-la. Esse misto de humor delicado e tragédia íntima a que você se refere, eu traduziria como o gosto do tamarindo. É assim que vejo a vida, azeda e doce ao mesmo tempo, e esse é o gosto que sinto ao ler "Rua da Padaria". 

Frase

"Gosto do ordinário universal, e também do banal, que vejo como algo sublime. Gosto de criar imagens, gosto de tentar pintar com palavras, já que não sei desenhar nem pintar. É o que tento"

Saiba mais

POESIA
Os primeiros livros de Bruna são "A fila sem fim dos demônios descontentes" (2006) e "Balés" (2009). 

FLIP 
Bruna é uma das poetas em evidência no mercado editorial. No começo do mês ela debateu poesia na Flip com as autoras Alice Sant'Anna e Ana Martins Marques. 

"Rua da Padaria"
Record, 68 páginas, R$ 24,90


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