terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Revisão política e afetiva de Pernambuco


Hugo Viana


José Luiz Passos, 41 anos, nasceu em Catende, morou em Pernambuco e atualmente reside nos Estado Unidos, onde trabalha como professor de literatura na Universidade da Califórnia (UCLA). Essa condição de trânsito, mudanças geográficas (e o consequente amadurecimento emocional) integra seu novo romance, o segundo, "O sonâmbulo amador", que será lançado hoje (com presença do autor), no auditório da Livraria Cultura do Paço Alfândega, em evento às 19h. 

O livro é dividido em quatro partes, segmentos que possuem formas e estilos distintos. O foco da narrativa é o protagonista: Jurandir, pequeno funcionário da indústria têxtil pernambucana. "Ele é um homem que, na iminência de se aposentar, é forçado a prestar mais atenção aos seus sonhos e rever suas amizades", explica José Luiz. "Os cadernos de Jurandir reúnem suas memórias, suas atividades no presente e notas evocando seu passado. A estrutura da história, que se passa no final dos anos 1960, é consequência da situação do protagonista, oscilando entre presente e passado, numa tentativa de ora esconder e ora enfrentar demônios pessoais e lembranças", comenta o autor. 

A história de Jurandir sugere notas sobre a condição social e política de Pernambuco nos anos 1960, perspectivas que alinham o personagem a um momento particular da história do Estado. No enredo, Jurandir parte de uma cidade do agreste pernambucano rumo à Capital para resolver uma questão trabalhista. "O translado do campo à cidade já frequentou muito a literatura brasileira do século XX. No meu caso, tentei dar a Jurandir, pouco a pouco, a descoberta de uma vida mais urbana e uma maior familiaridade com relação a questões políticas que ele próprio se recusava a ver", explica o autor. 

"Mas sua jornada é levada adiante quase que exclusivamente no plano das amizades, em seu sentido doméstico, erótico e coletivo. Jurandir aprende a narrar sua vida interior num contexto em que a intimidade torna-se matéria pública; ou seja, no contexto da análise em grupo e das utopias de salvação espiritual e política", aponta o autor. "A Recife e a Olinda que Jurandir testemunha são ao mesmo tempo, para ele, presentes e passadas; é matéria afetiva e também política", explica. 

Um dos aspectos interessantes do livro é a construção dos personagens; não apenas Jurandir, mas também os coadjuvantes parecem apresentar um notável conjunto de emoções. "A criação dos personagens é, na minha opinião, o aspecto mais sedutor do gênero do romance", diz o autor. "Quando o personagem se desenvolve no contato com outros, temos a progressão do enredo. Procuro desenvolver uma visão clara dos personagens que irão fazer parte dos meus textos. A partir de uma convivência imaginada, começo a compor suas histórias, que resultam na elaboração de uma pequena sociedade. O enredo é a dinâmica de amizade e tensões entre eles. Em seguida, escolho um deles como foco da narrativa e crio uma estrutura, a fim de que um narrador organize os eventos para o leitor", ressalta. 

Embora Pernambuco tenha uma tradição crescente na literatura, o espaço urbano e a geografia do Interior é marca narrativa de poucos autores com alcance nacional. "'O sonâmbulo amador' não está longe dos demais autores que retratam a região", sugere José Luiz. "A literatura feita por pernambucanos ou por autores radicados em Pernambuco é rica e variada. Exemplos de grande originalidade no tratamento da relação entre campo e cidade, entre elite e povo, estão em escritores de diferentes gerações, como Raimundo Carrero, Ronaldo Correia de Brito, Marcelino Freire e Bernardo Brayner - autores que leio com prazer", diz.

"Gosto de me dedicar a projetos longos"

Como é seu processo de escrita, sua rotina de criação literária?
Gosto de me dedicar a projetos longos. Escrevo cortando muito; tipicamente meus romances e contos saem com a metade do tamanho das suas versões originais. Levei em média cinco anos para escrever cada um dos meus dois romances. Tento escrever sempre que posso, principalmente logo após acordar ou depois do almoço. Minhas histórias começam sempre como notas à mão, em cadernetas: um diálogo, uma cena, um traço para um personagem. Depois, os nomes, um passado e, a partir daí, um drama que se desenvolve entre mais de um deles.

Você já foi selecionado para a Granta (volume 8: trabalho), que neste ano fez a primeira edição em português, com escritores que vinham sendo elogiados e agora entram no mercado estrangeiro. O que diz sobre esse momento particular da história literária nacional?
Acho o momento atual excelente. Finalmente parece haver uma maior atenção à necessidade de se apoiar traduções e divulgar dentro e fora do País a ficção contemporânea. As revistas, os suplementos e os prêmios literários têm um papel importante. As mídias sociais também. Espero que tudo isso permita uma maior profissionalização da atividade do escritor no Brasil. Mas não tenho certeza de que um único número da Granta em inglês, dedicado ao Brasil, vá influenciar a distribuição da nossa literatura lá fora. O que está havendo este ano e, possivelmente, no próximo, com a feira de Frankfurt homenageando o Brasil, é um reflexo no campo das artes da nossa posição de maior visibilidade em pautas globais. Isso não necessariamente se traduz em melhor literatura. Porém, a difusão das obras e dos autores permite, ao menos, que uma pequena parte do que se faz em português circule entre leitores de outras línguas. Vejo essa possibilidade com otimismo, mas sem grandes esperanças de que, a curto prazo, isso vá transformar radicalmente a literatura brasileira.

Você é professor de literatura da Universidade da Califórnia. Que tipo (se é que existe) de influência a carreira acadêmica possui em criação literária?
A carreira acadêmica demanda tempo e paciência; é tempo, portanto, que não pode ser usado para fazer ficção. Por outro lado, passo meus dias lendo, escrevendo, preparando aulas e corrigindo trabalhos sobre textos literários que admiro. Compartilhar essas leituras e discutir o lugar delas em nossas vidas me ajuda a ter maior clareza sobre o que quero fazer como escritor. Então, a carreira dá trabalho, mas, por outro lado, ensinar literatura é um modo de aprender a escolher os exemplos que quero seguir e, também, os que quero evitar quando tento participar naquilo que gostaria que fosse um pouco mais de mim.

SERVIÇO
O sonâmbulo amador
Alfaguara, 248 páginas, R$ 39,90

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