quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Uma nova voz literária

Hugo Viana

A publicação do primeiro livro envolve certa mistura de sentimentos; desde a ansiedade por revelar uma voz pessoal, que ainda procura encontrar seu estilo particular, até receios concretos: editar e lançar um livro, encontrar meios para divulgar o trabalho sem a ajuda de grandes editoras ou agentes literários - ferramentas necessárias para chegar a um público maior. Fernando de Mendonça, paulista que desde 2002 mora em Pernambuco, doutor em literatura pela UFPE, começou a divulgação de seu primeiro romance, "Um detalhe em H" (Editora Paés). O livro será lançado oficialmente no dia 1º de agosto de Livraria Cultura do Shopping RioMar, às 19h30, com debate com o autor e críticos; enquanto isso, o próprio autor articula vendas de exemplares em perfil criado no Facebook, em que incentiva diálogo com leitores - empenho cada vez mais comum em obras de perfil independente. 

Para Fernando, o maior problema para jovens autores que não possuem o amparo de uma editora reconhecida é o mercado. "A lógica do mercado me parece bastante assustadora, para não dizer violenta", diz o escritor. "Divulgar e distribuir continua sendo o maior obstáculo para autores novos, que hoje contam com várias opções acessíveis de publicação. Desde que eu decidi não escrever somente para as minhas gavetas, tornei-me consciente de que o formato livro não garantiria a ultrapassagem de um espaço fechado. A escrita não termina com o ponto final, com a impressão no papel. Vejo meu livro publicado e fico feliz em saber que ele 'nasceu'. Agora o desafio é fazê-lo sobreviver", comenta. 

No enredo, Fernando conta a história de Hugo, personagem-narrador que busca na memória detalhes que o ajudem a compreender o ritmo de transformação e a intensidade dos sentimentos. Hugo revisa o cotidiano, seus atos, em especial a relação com o pai e a vizinha, Helena. "Como leitor de Flaubert, não tenho como negar que há muito de mim em Hugo. Acredito que uma das camadas da literatura é servir de espelho, para o autor ou leitor. Meu narrador, apesar de não ser a minha voz, carrega minhas inquietações, meus problemas", explica. 

A narração de Hugo, criança que perdeu a mãe, explora um progressivo conflito interior, um fluxo de consciência que revela sentimentos contraditórios em relação ao pai e à existência. "Toda a estrutura do livro partiu desta voz em primeira pessoa, encontrada numa espécie de conto que escrevi há muito tempo e se tornou o prólogo da versão final. Desde o início não senti outra opção adequada para desenvolver, pela linguagem, as crises do meu narrador. Foi muito importante enxergar todas as situações narradas pelo ponto de vista dele, nos diferentes momentos de vida que cobrem os capítulos; isto me permitiu trabalhar a instabilidade do personagem com alguma estabilidade", diz o autor. 

Neste primeiro livro (Fernando escreveu a obra de ensaios "A Modernidade em Diálogo: o fluir das artes em Água Viva"), a impressão é a de um autor que busca impregnar o detalhe com o potencial da sugestão, a capacidade de insinuar sem no entanto explicar através da linguagem direta. "O grande mérito da escritura de Fernando é o decoro, essa capacidade rara em nossos dias, de potenciar a narração pela sugestão", opina o escritor Lourival Holanda, na introdução. "Acredito que toda narração parte de um detalhe. Não é possível narrar sem pormenorizar um acontecimento. Para mim é fundamental encontrar na arte esta transformação do olhar; sair de um livro lido com a percepção mais aguçada para o que há de singular no cotidiano. Creio que é das maiores coisas em uma boa leitura: atentar para o que há de menor e mais secreto na vida", avalia Fernando. 

"Um detalhe em H", de Fernando de Mendonça
Editora Paés, 122 páginas, R$ 30

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