sexta-feira, 20 de julho de 2012

Entre a polêmica e o crescimento

Hugo Viana

Um anúncio aguardado programado para a Feira Literária Internacional de Paraty (Flip), que terminou na semana passada, foi a divulgação dos 20 autores que integram a primeira edição da Granta em português. A publicação de origem britânica é reconhecida por lançar no mercado editorial novos escritores, publicando coletâneas de "melhores jovens escritores" em língua inglesa (como, no passado, apresentando o inglês Ian McEwan e o norte-americano Jonathan Franzen) e espanhola (como Alejandro Zambra). 

Esta primeira edição em língua portuguesa sinaliza um importante momento do mercado editorial nacional; o lançamento, traduzido para inglês e espanhol, flagra a entrada no meio estrangeiro de escritores nacionais que nos últimos anos vêm conquistando espaço com uma escrita marcadamente pessoal. Dessa forma existe uma possibilidade de trânsito, algo que mesmo os clássicos historicamente apreciados da literatura feita no Brasil não conseguiram com regularidade. E agora autores, como Julián Fuks, Antônio Xerxenesky, Michel Laub ou Carola Saavedra, que recentemente surgiram como revelações, têm a chance de conquistar mais leitores no cenário nacional e especialmente no mercado de fora. 

É preciso notar, no entanto, que este lançamento, "Os Melhores Jovens Escritores Brasileiros" (287 páginas, R$ 34,90), veio com algo de polêmica. Os 20 escritores foram escolhidos entre 247 autores que mandaram textos para a curadoria, composta por escritores e críticos literários. Destes, no entanto, os jurados afirmaram, durante a coletiva de imprensa do lançamento, que apenas 80 foram lidos. E do grupo selecionado boa parte fazia parte de uma lista prévia, entregue aos jurados pelos editores, mapeando bons escritores abaixo dos 40 anos. 

"Penso que sempre haverá polêmica quando alguém se propuser a definir o que seriam 'os melhores escritores'", sugere o paulista Julián Fuks. "Esse tipo de avaliação absoluta tem pouco a ver com literatura, não coaduna com a matéria de que quer tratar, e no entanto o mercado literário cisma em se pautar nisso, amplificando a importância dos prêmios e das listas e diminuindo o espaço da crítica embasada. Para os escritores da Granta, dada a polêmica, convém que nos preparemos tanto para eventuais elogios quanto para ataques mais ferinos", diz o autor.

"Estou evitando me inteirar de polêmicas sobre a Granta", comenta o gaúcho Antônio Xerxenesky. "A vida é curta demais para ficar incomodado com isso, apesar de que costumo achar teorias da conspiração engraçadas. Claro que não concordo 100% com a lista escolhida - a minha seria muito diferente. Mas, enfim, a lista é o resultado da escolha de um júri bastante diverso, que vai de Moser a Tezza. Óbvio que vão apontar panelinha, compadrio. Qualquer lista geraria esse tipo de reação", comenta. 

Pensando além da polêmica, este parece um momento especial para os autores selecionados. "Não dá pra negar que é uma oportunidade fantástica", ressalta Chico Mattoso, nascido na França, mas que mora em São Paulo. "Caminhos se encurtam, novas portas são abertas, ganha-se visibilidade. O fato da seleção ter sido feita por um grupo de jurados altamente qualificados funciona como um incentivo adicional. Mas num certo sentido - no mais importante, certamente - nada muda. Continuo acordando toda manhã e tentando escrever um pouquinho melhor do que escrevi na véspera", explica. 

Um dos autores menos conhecidos da seleção é Cristhiano Aguiar, nascido na Paraíba mas radicado em Pernambuco - se formou em Letras na UFPE. Aos 31 anos, Cristhiano está dentro do recorte temporal proposto pela Granta (os autores selecionados tinham que ter nascido a partir de 1972). "Muitas vezes o termo 'jovem' pode atrapalhar. Mas não creio que esteja sendo o caso na literatura. Embora tenhamos exemplos como o de José Saramago, cuja produção mais relevante se inicia em idade madura, vários escritores começaram jovens. Clarice Lispector e Raquel de Queiroz, por exemplo, eram meninas quando publicaram seus já ótimos primeiros romances. É importante ter em mente a fascinação que nossa cultura possui pela ideia do 'jovem', o potencial de mercado que existe", sugere. 


Christiano luta contra o silêncio



Entre autores estabelecidos, que nos últimos anos tiveram livros publicados por grandes editoras (como Michel Laub e Daniel Galera, pela Companhia das Letras, ou Luisa Geisler e Tatiana Salem Levy, pela Record), a seleção da Granta incluiu um escritor ainda pouco conhecido: o paraibano Cristhiano Aguiar. O escritor, pesquisador e crítico literário formado em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco, tem em seu conto selecionado, "Tereza", uma interessante apresentação ao mercado nacional e estrangeiro.

"O único livro que publiquei até agora foi 'Ao Lado do Muro', que não pretendo republicar, lançado por uma pequena editora do interior da Paraíba", lembra Aguiar. "Ainda é cedo para saber o que poderá mudar a partir da participação na Granta, mas ao menos significa sair um pouco da invisibilidade. Estar na Granta é fundamentalmente um estímulo para continuar meu trabalho", ressalta. 

Em "Tereza", é possível notar uma escrita delicada, uma narração que a partir da natureza, ou talvez o ambiente em geral, avalia o desenvolvimento emocional de seus personagens. "Há em 'Teresa' um pano de fundo trágico, o tema das enchentes no interior do Nordeste. Mas esta é uma questão social que só consigo trabalhar de modo oblíquo, torto, convidando o leitor a participar de um mundo profundamente marcado pela imaginação, pelo mito, pelo barroco", diz o autor, que no conto trata da personagem do título e da sutil relação dela com o marido. 

Este conto fará parte de um futuro lançamento de Cristhiano, "Silêncio". "Após publicar, em 2006, meu primeiro livro de contos, decidi que só publicaria de novo se de fato tivesse um material com o qual me sentisse seguro. Se não houvesse um mínimo para dizer aos leitores, por que mais um livro nas estantes, mais um livro em silêncio?", diz. 

"Em 2010 uma editora me contatou interessada no meu trabalho. Em 2011, eu finalizei o livro, escolhi e reescrevi os contos, mas o projeto acabou não indo para frente. E este 'não' foi fundamental, pois deixou claro que tipo de literatura quero construir e me ensinou que eu precisava deixar quase tudo que escrevi para trás. Eu precisava recomeçar. Recentemente retomei o livro, cortei a maioria dos contos e só sobraram cinco: é este conjunto que chamo de 'Silêncio', um livro magro. Não tenho pressa em publicá-lo, pois estou trabalhando nos Estados Unidos em um segundo romance, ainda sem título, um conjunto de novelas interligadas, que possuem um mesmo narrador e alguns personagens em comum", detalha. 

Depoimentos 


Cristhiano Aguiar
"Toda antologia retira sua força da polêmica. Ano passado escrevi uma resenha em que propunha a hipótese de que pudéssemos pensar as antologias como eventos que tentam sacudir o meio literário; elas são propostas de valores e indicam claramente as preferências não só dos seus organizadores, mas também de certas linhas de força do tempo no qual foram produzidas, assim como podem nos ajudar a entender o mercado com o qual buscam dialogar. Assim como outras antologias, a Granta será condenada, defendida, relativizada, celebrada". 


Chico Mattoso 
"Toda separação etária tem algo de cruel. Cada escritor tem um tempo de maturação. O sujeito pode chegar aos 40 anos com uma literatura consolidada, mas também pode ainda estar construindo seu percurso. Por outro lado, uma antologia precisa de critérios objetivos, que invariavelmente serão limitadores. Não tenho nenhum problema em ser chamado de 'jovem escritor'. Claro que é uma classificação curiosa, porque pressupõe que originalmente os escritores são senhores caquéticos, mas é bem melhor do que ser chamado de velho". 


Julián Fuks
"O edital da Granta me pegou num mau momento. Eu havia entregado pouco tempo antes o meu livro à editora, 'Procura do Romance', não tinha nenhum texto que eu prezasse na gaveta. Decidi escrever alguma coisa especialmente para a ocasião, mas, nesse momento de impasse, só consegui retornar ao mesmo personagem. Fiquei pensando o que faltara. O resultado foi esse conto mais político, que entra mais no cerne da questão da ditadura. É um conto autônomo, mas talvez funcione quase como um epílogo ao romance".


Antônio Xerxenesky
"Acho que a maior vantagem da Granta é essa: ser traduzido e exposto em uma vitrine reluzente. Pode render - e já está rendendo - contatos internacionais para futuras traduções. O rótulo 'jovem escritor' é algo midiático com o qual temos que lidar. Não há muito como escapar disso. O jovem é visto como salvação, futuro. Na música não é diferente - quantas salvações do rock não surgem mensalmente? Quantos futuros da música pop?"

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