sexta-feira, 6 de julho de 2012

O fracasso segundo Vila-Matas

Hugo Viana*

PARATY (RJ) - Leitores têm o curioso hábito de resumir a bibliografia de um escritor em poucas idéias, sugestões que indicam as obsessões mais recorrentes nas obras de um autor. No caso do espanhol Enrique Vila-Matas, que ontem conversou com a imprensa na Flip sobre seu novo livro, “Ar de Dylan”, e um pouco a respeito de seus métodos de escrita, a idéia principal seria o interesse pela própria literatura, incluindo em seus enredos escritores vagamente perdidos numa realidade às vezes pouco afeita a fantasias literárias.

“Quando perguntam a Lobo Antunes de que trata uma novela sua ele diz que é exatamente sobre tudo o que está escrito, nenhuma palavra a mais ou a menos”, comentou Vila-Matas, tentando resumir seu novo livro. Assim como “Dublinesca” e “Bartleby e companhia”, a obra possui um personagem do meio literário, neste caso um escritor de 60 anos, e parece ser através da literatura que Vila-Matas se interroga sobre os meios da cultura contemporânea. “Os temas da literatura são sempre os mesmos, as formas de contar as histórias é que mudam”, ressaltou.

O livro continua questionamentos presentes em obras anteriores, especialmente sua curiosa percepção do fracasso, escrevendo sobre a falha humana como maneira de representar a arte ou mesmo a vida privada. “A fascinação pelo fracasso é a fascinação pelo negativo, por tudo aquilo que não se fala tanto, o oposto do que podemos chamar de positivo, o que já conhecemos”, disse Vila-Matas. “Conhecemos a luz do sol, ela nos é dada, mas não conhecemos tanto a tormenta. Minha literatura se interessa pelas zonas mais escuras, a outra cara da realidade”, refletiu.

Vila-Matas parece enxergar a literatura como uma espécie de procura arqueológica sobre um passado esquecido e ao mesmo tempo vagamente familiar. “Um escritor é como um espião, que passa horas e horas em frente a uma janela, embaixo da chuva, e às vezes vê algo, outras não encontra nada. Ele busca o que ainda não foi encontrado, o que está inconsciente”, sugeriu o autor.

Ao colocar o escritor dentro do enredo parece natural que a pergunta seguinte seja: qual o sentido da escrita? “Uma vez passei uma tarde inteira para escrever uma linha. Tentei algo que foi dar voltas ao redor da mesa mas não saiu bem. Eu me interrogo sobre o papel da escrita. Um dos meus trabalhos é manter a memória cultural. Literatura é algo que cada vez mais vai se perdendo. Por isso me aproximo de escritores que para mim são importantes manter na memória. Reivindicar através da literatura cânones pessoais, não o cânone oficial, como Robert Walser, Kafka, uma espécie de crítica literária feita através da ficção”, comentou o autor, listando autores que geralmente aparecem em seus enredos.

Ao mesmo tempo essa noção de defesa cultural vem nos termos pessoais do autor, sem querer apontar uma relação definitiva com a literatura. “Não há uma verdade única e estável. Minha literatura nunca afirma algo, me dedico a duvidar de tudo, a fazer um discurso distinto do oficial”, explica. 

*Viagem a convite do Itaú Cultural

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