sábado, 7 de julho de 2012

“Escrever é apagar tudo”

Hugo Viana*


PARATY (RJ) - O chileno Alejandro Zambra, 37 anos, é o tipo de autor que escreve demonstrando amor pela literatura, colocando no enredo personagens leitores ou escritores, exercendo através da ficção uma espécie de arqueologia de seu passado como leitor. Ele veio à Flip 2012 e apresentou “Bonsai”, recentemente lançado pela Cosac Naify.

O livro é uma história de amor, ou talvez mais precisamente uma história de amor trágico, em que a literatura está presente em citações diretas, através de autores e livros, ou como vaga lembrança, na incorporação de estilos familiares de escritores como Borges ou Vila-Matas.


“Os autores surgiram naturalmente no texto pois fazem parte do meu território de leitura”, explicou Zambra, em entrevista exclusiva à Folha de Pernambuco. “Não existe uma intenção canônica na minha escrita, a literatura é como uma comunidade: existem pais, irmãos, avós, e escrever é reconhecer essa família. Tenho uma relação amorosa com a literatura, os livros já me fizeram feliz, por assim dizer, e também já me decepcionaram”, ressaltou.


O enredo fala sobre dois personagens, Julio e Emilia. A primeira frase é particularmente inspirada, revelando que "no final ela morre e ele fica sozinho", terminando o parágrafo com "O resto é literatura". “Não lembro exatamente como veio essa idéia. Lembro que acordei com a sensação de que na noite anterior tinha escrito uma boa frase, o que às vezes é inteiramente incorreto e vemos que a frase é na verdade muito ruim”, brincou.


“Eu não tinha tanta consciência do que fazia enquanto escrevia. Demorei a começar o livro. Era como uma dieta. Você diz: vou começar amanhã, e passa sempre a adiar. Uma vez que a narração surgiu o texto começou a abundar”, detalhou.


A história desses jovens é apresentada como um panorama do amor abaixo dos 30 anos, a confissão de sentimentos nem sempre doces. “Eu queria que eles fossem como tópicos, quase irreais. Mas há uma dose de realidade, e por isso há uma possível identificação. Na juventude não sabemos onde estamos, não temos ainda uma identidade. Eu tentei deixar esses personagens abertos a essas questões”, comentou.


O título “bonsai” parece conter metáforas sobre a literatura, em especial a noção de corte de palavras até chegar à pequena e ao mesmo tempo bela estrutura. “A proposta do livro é a brevidade deliberada, uma espécie de esqueleto da história”, revelou o autor.

Até chegar a essa estrutura mínima, Zambra passou por um intenso processo de corte. “O segundo capítulo originalmente seria quase um livro. Mas no fim acabei cortando para quatro páginas”, exemplificou. “Uma vez conversei com um amigo sobre aquele lugar comum, que todas as boas histórias já foram escritas, a página em branco, a luta contra o bloqueio. São idéias dramáticas, e meu amigo disse: ‘Eu creio que a página está preta, e escrever é apagar tudo, passar uma borracha para ficar com o mínimo sem sentir que estamos nos traindo”, sugeriu.


CINEMA


“Bonsai” foi adaptado para o cinema pelo diretor chileno Jiménez e estreou no Festival de Cannes de 2011. “Fiquei amigo de Cristián, conversamos muito sobre a novela, e penso que aprendi muito sem fazer nada diretamente no filme”, apontou o autor, que diz ter agora uma “inquietude audiovisual”. “A literatura e o cinema são muito distintos, e então comecei a entrar nessa diferença, me interessando especificamente no que apenas a literatura ou o cinema podem”, explicou.


Atualmente Zambra trabalha em um curioso projeto: filmar bibliotecas de amigos e fazer perguntas gerais sobre literatura. “Me interesso em entrar na casa das pessoas e conhecer como dispõem os livros nas bibliotecas: virados para a parede, como uma punição infantil, jogados no canto da estante, esquecidos. Quero filmar durante dois anos e não sei no que vai dar”, adianta. 


*Viagem a convite do Itaú Cultural

Nenhum comentário:

Postar um comentário