quarta-feira, 17 de abril de 2013

Família embrutecida pela violência


Hugo Viana


O escritor norte-americano Charles Frazier, 62 anos, narra, em seus livros, histórias sobre famílias do sul dos Estados Unidos, pessoas de ambições modestas ameaçadas por forças externas, homens e mulheres vivendo uma espécie bucólica de existência que é embrutecida pela violência. Depois de "Montanha gelada" (que se transformou no filme "Cold Mountain", com Jude Law, Nicole Kidman e Renée Zellweger), Frazier volta a ser publicado no Brasil com "Floresta noturna", um tipo de conto de fadas policial: nos anos 1960, Luce, mulher de meia idade que trabalha num hotel abandonado, precisa cuidar dos filhos de sua irmã brutalmente assassinada. As crianças possuem comportamento duvidoso, uma traquina propensão ao fogo e à violência, modificando a rotina absorta de Luce. A tensão continua se agravando com a notícia que Bud, ex-marido da irmã da protagonista e principal suspeito do crime, foi liberado pela polícia. Frazier parece sugerir suspense através de um ambiente socialmente caótico e politicamente desorganizado, uma geografia que ressalta aspectos selvagens do comportamento humano; a partir de uma prosa emocionalmente rígida, que parece fascinar pela contenção, o autor investiga a história da vida privada, os efeitos da violência na vida íntima de famílias inocentes. Nesta entrevista, o autor comenta inspirações para a história e explica suas técnicas literárias. 

Em "Floresta noturna", assim como em "Montanha gelada", o senhor escreve sobre famílias do sul, a presença da violência na vida bucólica. O que o motiva nessa proposta?
Eu cresci nas montanhas do Sul dos Estados Unidos e minha família está lá há mais de 200 anos. Então esse lugar, com sua bela geografia e às vezes violenta história humana, é o assunto que conheço melhor. Eu sempre me atraio por personagens que anseiam paz, casa e estabilidade enquanto, ao mesmo tempo, precisam navegar por ameaças, perigos e a instabilidade do mundo. 

No enredo, o suspense cresce devagar, através de sugestões, como o ótimo primeiro parágrafo, que insinua o comportamento violento de crianças. Como sentimentos de amor e ódio se desenvolvem em sua escrita? 
Acredito que muito da literatura e da vida envolve opostos, desespero e esperança, medo e desejo, ódio e amor. Em "Floresta noturna", a personagem principal, Luce, retirou-se do mundo e dessas polaridades e se colocou em isolamento, como uma zeladora de um alojamento turístico abandonado e cercado por natureza. Mas o mundo chega batendo em sua porta na forma de duas crianças problemáticas, filhas de sua irmã assassinada, seguidas pelo padrasto ameaçador. 

Nos dois livros o senhor parece ter cuidado especial com os personagens, desenvolvendo-os o suficiente para que o leitor possa, talvez mais do que empatia, entender suas ações. Como compõe seus personagens?
Para mim, personagens geralmente começam como imagens. Em "Floresta noturna", Luce chegou como a imagem de uma mulher jovem em pé, parada na varanda de um alojamento turístico abandonado numa estrada sem saída, longe da cidade. Eu comecei a me perguntar: quem é ela? Por que ela está ali? Como o mundo exterior pode se introduzir em sua vida? Bud, o assassino da irmã de Luce, apareceu como um carro à noite numa estrada escura numa montanha, o rosto do motorista fracamente iluminado pela luz do painel. Eu não sabia quem ele era, de onde veio ou para onde iria. Eu certamente não sabia como ele caberia em "Floresta noturna". Precisei de quase um ano para entender Bud. Um assassino, antes de tudo, mas não um psicopata travado em suas vítimas. Ele é uma bagunça. Impulsivo, facilmente assustado e em pânico, profundamente confuso sobre tudo. Ele faz coisas terríveis, mas em sua mente se enxerga como um inocente fazendo seu caminho através de um mundo que está contra ele. 

Lendo o livro lembrei o filme "O mensageiro do diabo" (1955): a ideia de um grande mal, personificado numa figura paterna, se aproximando de pessoas inocentes e problemáticas. Como o senhor trabalhou a tensão no romance? 
"O mensageiro do diabo" é um filme estranho e maravilhoso, visualmente muito rico e profundamente influenciado por contos populares, particularmente sobre o tema de crianças ameaçadas por adultos. Muitas histórias dos irmãos Grimm - por exemplo, João e Maria - usam esse motivo. Então eu certamente tentei trabalhar com esses elementos para fazer um tipo de conto popular policial. Em termos de tensão, eu revisei e ajustei para tentar estabelecer um ritmo entre os elementos do enredo que criam tensão enquanto deixam espaço para respiração e elementos mais literários, envolvendo o desenvolvimento de personagens e lugares. 

Gostaria de saber mais sobre o narrador do livro. Às vezes ele parece distante, em outros momentos parece consolar Luce. Como desenvolveu essa voz? 
Primeiro, deixe-me agradecê-lo pela pergunta, porque a narração em terceira pessoa é um dos elementos da ficção que mais me interessa. Lendo Homer, Dickens, Tolstoi ou Garcia Marquez, eu constantemente foco atenção na identidade de quem está contando a história. Em meu trabalho, acho que o narrador em terceira pessoa é um personagem separado do livro, não é minha voz nem a voz interna de um personagem. É a voz do contador da história, e eu tenho estabelecer regras para eu mesmo em relação a o que essa voz sabe e não sabe. Eu nunca consigo progredir num livro até começar a escutar essa voz conversando comigo enquanto escrevo. 

"Floresta noturna", de Charles Frazier
Alfaguara, 288 páginas, R$ 39,90

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