quarta-feira, 17 de abril de 2013

O ruído da realidade na literatura


Hugo Viana


O escritor colombiano Juan Gabriel Vásquez, 39 anos, percebeu, na história recente de seu país, nos anos 1990, uma possível ideia para um livro. Juan partiu da influência do tráfico no cotidiano, a presença violenta de Pablo Escobar nos jornais, a corrupção política, para então confrontar os efeitos desses dados na vida íntima de uma pessoa comum. O livro se chama "O ruído das coisas ao cair", título que embora trate de um assunto concreto, a queda de um avião, parece ser mais amplo, sugerindo alegorias políticas e sociais em um país que se afunda em crise. Nesta entrevista, o autor colombiano comenta como concebeu o romance e comenta possíveis metáforas do enredo. O protagonista é Antonio Yammara, jovem professor de Bogotá com rotina dividida entre aulas na faculdade e noites bêbadas num bilhar decadente. Yammara conhece Ricardo Laverde, ex-presidiário cuja história irá modificar sua percepção sobre o cotidiano, destacando agruras políticas e convulsões sociais. Juan narra a história como um romance policial, em que a memória, o mistério e o crime são como métodos de uma ficção profundamente conectada com a realidade histórica. 

Gostaria de saber que tipo de metáforas podem ser observadas no título. Parece sugerir uma melancólica alegoria política...
No começo o título do livro era literal. Um momento importante do enredo narra um acidente aéreo que aconteceu nas montanhas colombianas em 1995, e um dos personagens escuta a gravação da caixa preta do avião. O título se referia, simplesmente, aos ruídos de um avião ao colidir com a terra. Mas pouco a pouco as palavras do título foram tomando conotações metafóricas: um destino individual que cai, uma família que cai, um país inteiro (a Colômbia dos anos 1990) que cai ao vazio, derrubado por efeitos nefasto do tráfico e do terrorismo. 

Em vários momentos você reflete sobre a memória, o aspecto vago e fragmentado como as recordações interferem na realidade. O que te motiva neste tema?
Escrevo sobre o que me preocupa, e a memória sempre me ocupou. Me refiro a nossa relação com o passado, o passado de nosso país ou sociedade (o que chamamos de história), mas também o passado privado. Como decidimos o que recordar ou esquecer? Eu vivo com mortos, ou melhor, me interessa mais a presença dos mortos entre nós. Posso dizer que mudou minha vida quando me dei conta que o passado (nossas culpas, nossos erros) não se vai nunca, permanece conosco. "O passado não está morto, nem sequer é passado", dizia Faulkner. 

A história de Yammara está profundamente conectada com debates políticos e sociais. Num país como a Colômbia, que assim como o Brasil sofre com violência e tráfico, a literatura pode ou deve afetar a realidade?
Não gosto de usar verbos imperativos quando falo de literatura. Mas sim, creio que as vidas individuais estão unidas à história e política de mil maneiras inescrutáveis e invisíveis, e que o romance pode falar sobre esse encontro muito melhor que outros gêneros que inventamos para pensar sobre nós mesmos. A literatura de ficção chega a cantos de nossa experiência que nenhuma outra forma pode alcançar, e por isso que é insubstituível: os romances são um termômetro da sanidade mental de um país. Um país sem romance está doente. 

Você nasceu em 1973, então viveu períodos conturbados da Colômbia, a violência, o tráfico. Podemos dizer que a realidade histórica é uma influência em sua produção literária (penso, por exemplo, na presença de Pablo Escobar na história)? 
Quando você me fala da realidade histórica, parece que escolhi temas abstratos (o tráfico, por exemplo) e me dediquei a ilustrar eles com uma história. Não é assim: não escrevo sobre a história como tema. Se escrevo sobre um momento de nosso passado social, é porque encontro nele uma espécie de buraco negro onde afunda o destino de um personagem concreto. Esse livro explora a relação que teve minha geração com o momento que viveu: esses últimos 30 ou 40 anos, desde o começo da guerra contra as drogas. Mas o que me interessa são vidas individuais. Já se escreveu sobre os efeitos sociais ou políticos do tráfico, mas pouco sobre os efeitos emocionais, íntimos, morais. Era isso o que me interessava explorar. 

Nas primeiras páginas você sugere que coisas importantes vão acontecer, antecipa que o destino de Ricardo Laverde é um mistério relevante. O que pode dizer sobre técnicas literárias e, neste livro, um estilo que prende o leitor a partir do mistério?
Meus narradores se relacionam com o mundo da mesma maneira que eu. Escrevo sobre assuntos que me parecem obscuros e misteriosos, ou movido pela intenção de indagar uma vida alheia. "Os informantes", por exemplo, nasceu de uma conversa com uma mulher que conheci na Colômbia e cuja vida me interessou. Fiz perguntas, investiguei, e isso me levou a outras investigações e a um momento histórico mais amplo. O mesmo aconteceu com este livro. O que quero dizer é que escrevo por uma sensação de que a realidade é escura, de que a condição humana é um grande mistério, que as vidas individuais escondem segredos apaixonantes. 

"O ruído das coisas ao cair", de Juan Gabriel Vásquez
Alfaguara, 248 páginas, R$ 39,90

Nenhum comentário:

Postar um comentário