sábado, 23 de julho de 2011

Contos de fama e anonimato

Hugo Viana



Foi o artista Andy Warhol que disse, em 1968, que "no futuro, todos serão famosos por 15 minutos". Em tempos mais ou menos recentes, a tecnologia parece favorecer essa oportunidade de fama repentina e sem tanto critério, de tornar pessoas visíveis aos sentidos dos outros. Parece ser um pouco essa a tese que o autor alemão Daniel Kehlmann defende no livro "Fama: Um Romance em Nove Historias" (Companhia das Letras, 160 páginas, R$ 39).

O livro é composto por nove histórias independentes que se conectam por pequenos detalhes. No primeiro conto, "Vozes", um trabalhador chamado Ebling compra um celular e por algum motivo passa a receber ligações em busca de um tal Ralf. Quem liga são empresários desconfiados, mulheres com pouca ou nenhuma vergonha. O que no começo era uma tortura social para Ebling aos poucos se transforma num tipo de vício: as ligações erradas fornecem uma fuga da rotina, dos filhos levemente irritantes, da mulher que não oferece conforto. No quarto conto, "A Saída", um ator famoso chamado Ralf Tanner deixa de receber ligações e entra numa queda rumo ao anonimato, um tipo de fantasia sobre a ruína da identidade.

No segundo conto, "Em Perigo", Kehlmann narra a viagem de um escritor, Leo, e sua namorada; ele é aparentemente genial em seu ofício e encantador em suas palestras, mas na intimidade é praticante de uma lista excêntrica de distúrbios. Esse conto, que relata o inferno da etiqueta social, gera outros: "Oriente", em que uma escritora, Maria, aceita o convite de Leo para substituí-lo numa conferência na China, e depois vive o horror de ser esquecida num ambiente hostil; e "Uma Contribuição ao Debate", em que um homem sem vida social, mas extremamente ativo no ambiente virtual, é fã de Leo e, transtornado por não ter seu afeto reconhecido pelo autor num breve encontro, comete um grave erro em sua empresa, o que gera confusão com vários números de celular.

São contos que se cruzam por coincidências destrutivas, nomes que se repetem, lugares revisitados, pequenas ou grandes demonstrações de azar que remetem a outras piadas do destino estabelecidas em contos anteriores. É talvez o tipo de literatura preocupada em criar conexões infinitas, em se afirmar enquanto espécie de exercício literário de rima entre micro eventos dentro de um panorama maior, sugerindo algo como uma teoria do caos adaptada para a rotina de fama e anonimato de pessoas em momentos de crise.

São personagens que representam muito diretamente um catálogo tradicional e algo velho de dúvidas existenciais (família desestruturada, homem feio que busca fuga virtual, dúvidas sobre Deus), algo que na história da arte é constantemente explorado e de certa forma reinventado, ou interpretado na fala pessoal de cada artista. Não parece ser esse o desejo de Kehlmann, e sim cutucar seus personagens como se fossem bonecos de vodu um pouco como carrasco, aparentemente se divertindo ao colocá-los em situações de desgaste físico e emocional e sem saída.

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