quinta-feira, 28 de julho de 2011

Raízes da criação literária

Hugo Viana



A crítica cultural pode ser em alguns casos um tipo rudimentar de transmissão de conhecimento, uma certa educação sentimental sobre a expressão artística. James Wood, crítico literário britânico, ensaísta e escritor casual, representa a possibilidade didática da crítica, o ideal de ensino por meio de análises, algo proposto em seu título ambicioso "Como Funciona a Ficção" (Cosac Naify, 232 páginas, R$ 49).

É uma publicação em que Wood investiga a engenharia da escrita mais ou menos como se estudasse um mecanismo que pode ou não funcionar. Ele fala sobre estratégias e subversões da narrativa textual, cita exemplos de cânones da literatura, comenta casos menores de frases que dão defeito, e então nos aproximamos do texto ideal, da escrita que, no julgamento do autor, funciona sem restrições.

James Wood é encarado com certo desprezo por fazer o que a crítica deve em geral tentar, escolher lados, declarar favoritos. Tudo na retórica de Wood é bem explicado e faz certo sentido, embora outro autor possa naturalmente revirar os parâmetros apresentados e utilizar ferramentas de outra natureza, e com isso meio que provar o oposto. O interesse é realmente ver um pensamento autêntico formado e aos poucos desenvolvido, e nisso Wood é certamente exemplar.

Dessa forma o livro também é uma espécie de dedicatória para escritores que o autor claramente admira, especialmente Henry James e Gustave Flaubert, e destruição intelectual da oposição literária que não segue os padrões que Wood desenvolve, como o norte-americano John Updike.

Wood parte de observações mais gerais sobre aspectos intrínsecos à construção do romance para em seguida elevar sua reflexão para um terreno um tanto mais árido de discussão, a respeito da autoria e da formação de um estilo. É um texto que mistura um pouco de teoria literária com observações pessoais num mesmo parágrafo, tudo aparentemente bem conectado.

O livro se divide em dez tópicos, em que o autor desenvolve seu ponto de vista sobre o papel do narrador em diferentes situações (em primeira ou terceira pessoa, além dos casos especiais, dos escritores que trapaceiam regras básicas e investigam novas possibilidades de narração), aborda a função estilística dos detalhes e relata uma breve história da consciência, do diálogo e da própria linguagem.

Para legitimar sua argumentação, Wood recorre a exemplos da própria literatura. Quando quer falar sobre como um detalhe na forma de frase curta pode modificar a forma como entendermos um personagem, por exemplo, o autor cita o ensaio "Um Enforcamento", de George Orwell. No texto, Orwell observa um condenado que se dirige ao cadafalso, e no caminho desvia de uma poça de água. Para Wood, isso representa um tipo de mistério da vida, um fato que dentro do contexto não faz sentido aparente (o personagem a caminho da morte não quer sujar os pés) ou talvez irrelevante no sentido literário ou narrativo, mas seu uso causa um curioso efeito realista.

Talvez seja um tanto redutor catalogar a proposta de Wood como direcionada apenas a escritores ou aprendizes do ofício. Sua argumentação lúcida sugere a identidade de um professor cuja escrita indica maneiras interessantes de ler ou se relacionar com um livro, e meio que naturalmente incita a vontade de conhecer os autores analisados. Wood demonstra um domínio amplo sobre o projeto literário de cânones e operários diletantes ou irregulares, relatando um panorama amplo de referências, uma erudição claramente apaixonada pela escrita, sempre a favor da busca pelo instante sublime na literatura.

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