terça-feira, 19 de julho de 2011

A política sentimental de valter hugo mãe

Hugo Viana



O escritor angolano valter hugo mãe é em geral lembrado como autor excêntrico que escreve através de letras minúsculas, profissional que não responde às imposições da gramática tradicional e persegue fórmulas pessoais - argumentos que certamente dificultam o acesso direto a sua escrita politicamente sentimental. Sua publicação mais recente escrita quase toda em letras miúdas foi lançada durante a Flip, pela Cosac Naify, e se chama "a máquina de fazer espanhóis" (256 páginas, R$ 39). O livro parece endereçado àqueles familiares ao sentimento de perda e às circunstâncias do amor louco. O personagem principal é português torcedor do Porto, tem 84 anos, se chama silva, e como tantos outros silva de Portugal que avançam sem impulso rumo à terceira idade, se recolheu à vaidade das palavras pequenas e ao esforço vão da fuga. Depois da morte da mulher, silva é colocado num asilo e passa a protestar contra a permanência na memória daqueles que são essenciais e não estão mais perto. Então o livro passa a sugerir outros temas, acomodar mais interpretações, nostálgicas talvez, certamente políticas, sobre a história e o sofrimento cotidiano. Em entrevista por e-mail, depois de um bate-papo inicial encerrado pelo autor antes do tempo por cansaço devido a uma jornada de oito ou nove entrevistas numa mesma tarde (todas sobre o mesmo tema: as minúsculas), valter hugo mãe falou sobre literatura e política.

Decidi, afinal, não perguntar sobre motivos ou possíveis transgressões no uso de minúsculas e recusa de maiúsculas. O que você acha da ausência dessa pergunta numa entrevista?
Acho maravilhoso. Respondi um milhão de vezes a essa pergunta. Fico imediatamente feliz com uma entrevista diferente. De todo o modo, quem quiser entender esse assunto pode encontrar na internet algumas respostas suficientemente completas. Ah, mas não fico zangado com a pergunta, fico apenas mais relaxado sem ela.

Gostaria que você falasse um pouco sobre a escrita como um meio para abordar perdas reais. Você dedica o livro ao seu pai, "que não viveu a terceira idade". A ficção parece um caminho natural para se aproximar do que não se consegue ou quer calar, talvez?
A literatura é o modo como me recompenso por cada coisa. Uso os textos para entender as pessoas e o que acontece às pessoas. Não serve para substituir, serve para ajudar a pensar, sentir, arrumar melhor as ideias. Perder, e não só alguém mas também alguma coisa importante para nós, solicita muita aprendizagem, e o que quero dizer é que escrevo efetivamente para aprender.

A certa altura do livro passei a ter a impressão de que você debatia outros temas, e talvez a narrativa central fosse alegoria para assuntos pessoais. Por exemplo, o asilo no qual o personagem está não parece apenas um cenário, mas um meio para se chegar à política do cotidiano, ao esquecimento da história, à nostalgia daqueles que se perdem em amores loucos. Era seu interesse elaborar tipos de metáforas?
Sim. Sempre me interessa abarcar as diversas preocupações plausíveis numa determinada personagem. As personagens, como gente que quer ser convincente aos olhos dos leitores, precisam de amplitude. Gosto de as ir completando como se fossem sendo construídas até termos uma panorâmica consistente de quem são. Isso favorece também o retrato mais fiel do tempo da história. Neste livro, por exemplo, o Portugal recente comparece largamente e, creio eu, de uma forma muito honesta.

Seu livro trata um pouco da opressão política na Europa. Gostaria que você falasse sobre a escrita que surge num contexto de dominação, do papel ou talvez da importância da literatura dentro do debate político.
A literatura é uma voz, e mais ainda dotada de alguma perenidade. Quem tem uma voz deve sempre usá-la para o bem coletivo dos homens. Claro que todos os temas são possíveis para um livro ótimo, mas admiro muito quem consegue divertir-me com um texto que também me ensina e alerta. Acredito que isso vale a pena.

Um tema caro a você parece ser a família, especialmente a relação entre pais e filhos, a transição de gerações. O tempo e a velhice parecem de alguma forma fascinar você. É um interesse consciente ou foram assuntos que surgiram naturalmente na escrita?
Foram assuntos que surgiram naturalmente na minha vida. Interessa-me muito a família e angustia-me muito a sua perda. Entendo, contudo, a família como também a nossa eleição, esse grupo de gente amiga que, ao longo dos anos se justifica como íntimo e incondicional. Gosto de amar assim. Incondicionalmente, sem abandono.

Suas frases parecem sempre muito trabalhadas, como o resultado de uma busca pela palavra ideal, pela sonoridade exata, pela sensação precisa. Gostaria que você falasse sobre seu processo de escrita, esse momento tão pessoal e talvez íntimo da criação.
Leio tudo em voz alta e várias vezes. Mas tenho a sorte de escrever com muito prazer e pouca dificuldade. Os textos são o que posso fazer de mais sagrado, e eles são decorrência de uma natureza muito definida em mim: fazem-me bem. Quando escrevo, normalmente, chego quase sem muito perceber ao resultado que está nos livros. Agradeço muito à sorte por isso.

2 comentários:

  1. Parabéns pela entrevista, huguito! visito seu recente blog pela primeira vez, e estou gostando do que leio!

    Beijão

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  2. Obrigado Raquel, você é muito gentil. Beijo grande.

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