domingo, 31 de julho de 2011

A desilusão política de George Orwell

Hugo Viana



George Orwell (1903-1950) é facilmente catalogado como escritor político, autor interessado na pesquisa dos sistemas de dominação, nas estratégias das instituições do poder para submissão em massa.

Embora seja reconhecido na história da literatura pelas ficções "A Revolução dos Bichos" e "1984", Orwell também teve criação exemplar no gênero ensaio, textos livres escritos em primeira pessoa sobre pequenas situações do cotidiano. A Companhia das Letras tem como projeto editar três compilações do autor: a primeira foi lançada em 2005, "Dentro da Baleia", e a segunda, publicada em junho, se chama "Como Morrem os Pobres e Outros Ensaios" (416 páginas, R$ 44).

A primeira parte do livro é dedicada a ensaios sobre vagabundos de Londres, iniciando a investigação política de classes, costumes e tradições na Inglaterra no fim dos anos 1920 e começo dos 30 que Orwell continuou em "O Caminho para Wigan Pier" e "Na Pior em Paris e Londres" (também traduzidos pela Companhia das Letras).

São relatos impressionistas, feitos num período de conflitos sociais e ideológicos, depois da Primeira Guerra Mundial, com a Inglaterra economicamente enfraquecida, durante a ascensão de sistemas totalitários. Sobre os vagabundos, Orwell escreve, com algo da ironia de Kafka: "Mendigar é proibido por lei na Inglaterra. É um círculo vicioso: se ele não mendiga, morre de fome; se mendiga, infringe a lei".

Para falar sobre como vivem e morrem os pobres, Orwell estabeleceu uma espécie de ética pessoal do registro. Abandonou periodicamente o conforto financeiro e passou a experimentar o cotidiano como alguém que não tem emprego nem tampouco privilégio de banheiro limpo, um exemplo admirável de artista que, para falar a respeito dos outros, procura antes vivenciar o cotidiano deles. Orwell visitou prisões, hospitais e albergues (instalações que forneciam quarto, pão e chá), e através da descrição curta sugere ironicamente que todos esses lugares são mais ou menos desagradavelmente a mesma coisa.

São textos que parecem constantemente falar para o futuro, um pouco como documentos históricos de uma época passada, registros de denúncia a favor de quem não tem voz política e vive sob regime de dominação. Ao mesmo tempo, a escrita de Orwell não é interessante apenas na instância da descrição, é também carregada de um certo lirismo de escritor, produto de alguém habilidoso com palavras para criar metáforas politicamente sensíveis. "Sujávamos o cenário, como latas de sardinha e sacos de papel na praia", comenta Orwell, numa passagem.

O panorama de assuntos abordados por Orwell é amplo, ele fala também sobre o jornalismo cultural no texto "Em Defesa do Romance" (1936), especialmente sobre o vazio da crítica literária, enfatizando a interferência da publicidade na prática do julgamento, debate que permanece atual no panorama de crítica cultural. Ele escreve: "Cada vez mais os canais de produção estão sob o controle de burocratas, cujo objetivo é destruir o artista ou, ao menos, castrá-lo". Orwell também comenta o potencial do rádio para a comunicação (e para a educação) em massa, debatendo ideias que estavam em processo de amadurecimento no campo da teoria da comunicação.

Em alguns momentos a amplitude do debate proposto pelo autor parece não caber no tamanho de uma frase, ou mesmo no fôlego extra de um ensaio, o que torna em alguns textos o argumento de Orwell algo generalista ou decidido demais sobre o complexo estado das coisas.

No livro, prevalece o perfil de Orwell como um tipo de comunista desiludido pelo andamento da história, intelectual articulador de uma honestidade nada romântica, autor que pensa em cada frase sobre formas políticas de engajamento social.

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