terça-feira, 23 de agosto de 2011

As lembranças de Joca Reiners Terron

Hugo Viana



O Festival Recifense de Literatura: A Letra e a Voz, que nesta nona edição tem como tema a memória, programou um debate sobre o assunto "Amnésia e Construção da Identidade", com o escritor Joca Reiners Terron. Em alguns livros de Terron o tema "memória" surge como um tipo de refúgio emocional, uma permanência defendida pela imaginação. A obra que fala mais abertamente sobre as reminiscências do passado, autobiográficas ou ficcionais, é "Curva de Rio Sujo" (Planeta, 2003), livro composto inteiramente por lembranças, pequenos textos que reproduzem sensações da infância, juventude e vida adulta. Sua publicação mais recente é "Do Fundo do Poço se Vê a Lua" (Companhia das Letras, 2010), em que memória também está presente, na forma de acontecimentos que moldam a identidade de cada personagem. Nesta entrevista por e-mail, Terron falou sobre o encontro entre literatura e memória.

O tema do festival é literatura e memória. Gostaria que você comentasse a importância da memória em seu processo de escrita, se é algo que você preza como tema.
Thomas Hobbes afirmava que a memória e a imaginação são a mesma coisa, e têm nomes distintos apenas circunstancialmente. Imagine uma reunião de amigos de infância que tenham vivido um mesmo episódio: cada um terá uma lembrança diferente, "editando" aquilo que mais lhe chamou atenção. Onde a memória não alcança mais se inicia a ficção, e meu trabalho não prescinde disso.

Já que o tema é memória, gostaria que você falasse sobre suas lembranças literárias, em diferentes fases da vida: primeiros livros, o momento em que você percebeu que a literatura é um pouco mais ampla do que apenas entretenimento.
Creio que foi ao ler "Histórias Extraordinárias", de Edgar Allan Poe, aos dez anos, e também "A Ilha do Tesouro", de Stevenson, e "As Aventuras de Tom Sawyer", de Mark Twain. Ou então o ciclo todo de "O Tempo e o Vento", de Erico Verissimo. Desde minhas primeiras leituras eu conseguia abstrair e visualizar os cenários das histórias ou então me refletir nos personagens de que mais gostava, então acho que isso me indicava que a leitura não era somente distração, e sim uma espécie de alimento mágico para a imaginação.

Sobre "Curva de Rio Sujo": é um livro autobiográfico? São memórias misturadas à ficção? É uma fronteira que lhe interessa?
É um falso livro autobiográfico. São recordações inventadas de um certo clima de um lugar que só existe na lembrança. Qualquer fronteira me interessa.

Em "Do Fundo do Poço se Vê a Lua", a memória também aparece, mas com um sentido mais narrativo, talvez menos experimental: conhecemos aos poucos os personagens, o passado deles e os fatos que os tornaram como são. Essa diferença no uso da "memória" é algo que lhe interessa?
Desde o texto de abertura de "Curva de Rio Sujo" se delineia uma preocupação com a amnésia, a imaginação e a lembrança. "Eu escrevo para esquecer", começa assim. Em "Do Fundo do Poço" se estabelece uma linha mais clara sobre como só é possível a uma pessoa se reinventar a partir do esquecimento. Qualquer procedimento criativo me interessa, mas confesso não refletir muito sobre eles. A reflexão excessiva sobre o ato criativo enquanto se cria pode matar o processo.

Ainda sobre memória, mas de outra natureza. Num post do seu blog no site da Companhia das Letras, na época do lançamento do selo Má Companhia, você fez um "amaldicionário" da literatura brasileira, comentando autores, gêneros e temas que, por motivos variados e nem sempre justos, foram catalogados como "malditos". Gostaria que você falasse sobre esse aspecto da memória: o resgate de assuntos ou autores importantes na história da literatura nacional.
Nós temos um sentido de pouca importância de nós mesmos que beira o melancólico. Existem criadores literários geniais que são esquecidos ainda em vida, e isso é muito comum de acontecer. A série à qual você se refere é apenas uma contribuição para que alguns autores fundamentais sejam lembrados. Eu gostaria muito de estendê-la e publicá-la em livro.

Lendo seus livros depois de saber seu apreço por autores "malditos", comecei a pensar nas influências no seu estilo de escrita. Gostaria que você comentasse suas memórias literárias, autores que surgem enquanto você escreve.
Não surgem. Quer dizer, surgem de um modo mais óbvio que isso aí que você propõe. Quando estou escrevendo qualquer coisa eu sempre uso a leitura de outros autores como um gatilho ou pavio para a escrita. Não se trata de influência ou cópia, mas de ler algo que te inspire a pensar.

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