sexta-feira, 26 de agosto de 2011

A música e as mulheres de Gainsbourg

Hugo Viana



O cinema tem uma tradição mais ou menos rentável de filmar biografias, contar trajetórias de ícones históricos, pessoas que em algum momento mobilizaram público amplo. São filmes em geral comportados, feitos a partir de um molde recorrente narração e envolvimento dramático, seguindo certas regras seguras. É mais ou menos esse o caso de "Gainsbourg: O Homem que Amava as Mulheres", biografia do músico francês Serge Gainsbourg, artista popular entre os anos 1960 e 80, em cartaz no Cinema da Fundação.

Gainsbourg pode ser rudemente descrito como homem comum de estatura média, orelhas de abano e nariz no formato adunco, talvez do tipo feio, mas com um talento inesgotável para a criatividade musical e inventividade artística. Numa certa manhã qualquer de sua vida em Paris, ele tomou café, comeu croisant, em seu apartamento, olhando para Brigitte Bardot, que acordava dengosa com pouca roupa em sua cama. Imagem exibida pelo filme com imensa noção de bom humor e poder sugestivo.

Antes desse dia, nos anos 1950, Gainsbourg era apenas um pianista noturno de bares esfumaçados, trabalhador algo anônimo tocando tediosamente grandes músicas que serviam para embalar refeições de clientes pouco interessados. Esses momentos do filme são envolventes, Gainsbourg possuia um tipo de humildade que contrasta com a ordem rockstar, e o filme acompanha essa sensação abaixo do radar do glamour, numa narrativa simples de etiqueta social tipicamente francesa. Algumas boas piadas inesperadas.

Na primeira metade do filme o que importa parece ser criar uma perspectiva diferente, ou ao menos pouco convencional, para o gênero biografia. Não é a história de grandes instantes que definem uma personalidade e "mostram o que realmente aconteceu", mas pequenas cenas banais, um tanto transformadas por uma noção de fantasia, controlada pelo gênio instável de Gainsbourg. O filme é o primeiro dirigido por Joann Sfar, artista que veio do trabalho com histórias em quadrinho, e talvez isso explique um tique em representar de formas gráficas os pensamentos de Gainsbourg, que também desenhava.

Depois o filme parece banalizar sua proposta e se torna uma biografia tradicional, representando instantes da vida pessoal de Gainsbourg que poderiam ser encontrados em manchetes de revista de fofoca de época. São cenas que sugerem um certo excesso emocional de fã exaltado, como a imagem de um Gainsbourg de óculos escuros, tropeçando bêbado e caindo sob efeito de drogas, berrando qualquer coisa negativa contra gente amiga. É um tipo de final que não é exatamente surpresa, mas que parecia que seria criativamente transgredido durante o filme.

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