terça-feira, 17 de janeiro de 2012

As diferentes cores de um relacionamento

Hugo Viana



Algumas histórias são jornadas pessoais e ocasionalmente egoístas de personagens. Acompanhamos um curioso catálogo de equívocos, e surge então uma frágil sensação de empatia.

O novo trabalho de David Mazzucchelli, 51 anos, desenhista norte-americano que participou de edições de "O Demolidor" e "Batman", colaborando com Frank Miller, é um exemplar ideal de história sobre falhas humanas: "Asterios Polyp" (344 páginas, R$ 63), lançado em 2009 e publicado agora no Brasil pela Companhia das Letras.

Asterios é apresentado nas primeiras páginas como um tipo épico de derrotado, barba por fazer, deitado ébrio numa cama desarrumada, meias, camisas e jornais amassados jogados no chão, garrafas de uísque vazias na estante, luzes desligadas, filme pornô passando na TV, olhar ausente e melancólico, a representação da inércia de quem perdeu muito.

Um raio acerta seu prédio e queima completamente sua casa, mas antes de escapar ele salva rapidamente três pequenos objetos aparentemente sem valor, um isqueiro, um relógio e um canivete, deixando para trás fitas de vídeo e imagens de um passado talvez perdido.

Asterios sai de casa vestindo a mesma roupa suja que estava usando e com o pouco dinheiro que tem no bolso compra uma passagem para qualquer lugar. "Até onde isso me leva?", pergunta ao caixa na rodoviária, mostrando uns tantos dólares, movimentos automáticos de fuga. Chega a uma cidadezinha e encontra uma vaga de mecânico. Até este momento sabemos exatamente nada sobre Asterios, apenas que se trata de um pedaço acabado de homem, pessoa sem perspectiva de coisas boas, alguém que aparenta potencial maior do que sua vida atual oferece.

A narrativa então se divide em duas partes, presente e passado; instante atual, em cores pastéis, localizando os pensamentos desnorteados de Asterios, e momentos anteriores, em tons de azul e vermelho, ressaltando uma dualidade de sentimentos em conflito. O uso de cores parece não apenas definir tempos diferentes, mas também sinalizar um tipo reservado de emoção, uma carga de sensações que aos poucos revela personagens complexos.

O centro da história é a relação entre Asterios e Hana, uma tímida professora de artes plásticas que ele conheceu numa festa na universidade em que ele ensinava arquitetura. A relação deles é representada nos momentos importantes através de dois diferentes estilos; Hana é desenhada com traços livres, que sugerem instabilidade criativa, enquanto Asterios é ilustrado através de blocos geométricos, um tipo intelectualmente funcional, o equilíbrio calculado entre razão e emoção. É através do traço, e não apenas das palavras, que entendemos os personagens.

Ao mesmo tempo em que parece um tratado sobre linguagem de quadrinhos, colecionando diferentes tipos de atos criativos, como uma ótima ideia de usar diferentes fontes para representar as falas e os estilos de cada personagem, "Asterios Polyp" é também um resumo sensível de relacionamentos, familiares ou amorosos, que termina na incrível imagem de natureza absurda, sugestão melancólica do humor imprevisível da vida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário