sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Revisão da história sexual francesa

Hugo Viana



Alguns cineastas para falar do tempo atual costumam estudar a história passada em busca de vestígios que expliquem algo sobre o momento em que vivem. Parece o caso do diretor francês Bertrand Bonello em "L'Apollonide: Os Amores da Casa de Tolerância" (França, 2011), filme que concorreu à Palma de Ouro do Festival de Cannes deste ano e entra hoje em cartaz no Cinema da Fundação.

O filme narra a história de um grupo de prostitutas francesas num bordel no início do século 20. Não há exatamente uma trama, cada cena parece uma eloquente pintura que documenta a história social francesa a partir da decadência de um tipo peculiar de tradição, os prostíbulos. Homens vêm em busca de satisfação, mas não há qualquer aprofundamento nos personagens masculinos; eles são sombras que surgem e vão embora depois de satisfazer desejos sexuais, sem nenhum tipo de julgamento moral.

A permanência é a das prostitutas. Talvez como modo de sobrevivência elas se tratam com delicadeza honesta, e as cenas comuns do cotidiano parecem os melhores momentos do filme. A certa altura elas tomam banho de rio num dia de sol, e a impressão é de que são irmãs saindo em liberdade pela primeira vez, finalmente respirando ar puro longe da opressão do trabalho. O filme tem essa mistura curiosa entre melancolia e romantismo em estado bruto.

Bertrand parece ter uma curiosidade voyeur sobre o cotidiano dessas mulheres, narrando progressivamente as consequências de uma vida sexual sem controle higiênico. Há uma preocupação em detalhar técnicas rudimentares de limpeza e pequenas lições de paciência para suportar perversões sexuais, a descrição minuciosa de aspectos terríveis de doenças contraídas, um olhar duro sobre uma tradição e como ela se estabelece na sociedade.

Uma das personagens é cruelmente desfigurada por um homem durante algo que parece um pesadelo sexual, imagens que voltam ao longo do filme para lembrar os perigos do ofício. Ela fica com cicatrizes no rosto, simulando um sorriso constante, e o filme mostra com algum prazer como tudo aconteceu, enquanto a plateia vira o rosto, indício discreto de cinema de horror. Outras cenas têm carga pesada de submundo do sexo, momentos de dor e indiferença, uma violência que não apenas física, ou quase nunca, sendo talvez por isso uma degradação mais complexa.

Mais para o fim do filme entra um desagradável discurso moral que parece propor uma tese sobre o estado das coisas na França contemporânea, sugerindo que o descuido moral do século passado é o marco zero para problemas atuais. É um epílogo que tenta reconfigurar todas as cenas anteriores, formulando uma nova (e aparentemente conservadora) forma de compreender o que passou.

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