quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

A força da tradição em poucas palavras


Hugo Viana


A certa altura do livro "Nihonjin", o autor Oscar Nakasato comenta, descrevendo a personalidade de um dos personagens (o avô de uma família tradicional japonesa): "As palavras não foram inventadas para serem desperdiçadas". É com uma incrível economia sentimental que Nakasato estreia na ficção; através de um relato conciso, que na brevidade parece sugerir sentimentos universais, Nakasato narra a história de imigrantes japoneses que chegam ao Brasil guiados pelo desejo de juntar dinheiro para voltar ao Japão e abrir negócios próprios, mas aqui conseguem apenas o suficiente para sobreviver. O livro transcende questões panfletárias: é um testemunho sensível sobre choque cultural, manter tradições e criar raízes, descrevendo a história de uma família que enfrenta dificuldades de adaptação ao que é novo, tentando manter o peso solene de tradições típicas mesmo distante do Japão. O livro de Nakasato ganhou o prêmio Jabuti de melhor romance cercado por polêmicas (o jurado Rodrigo Gurgel, crítico literário, deu nota 10 ao texto de Nakasato e zero ao livro de Ana Maria Machado, autora importante no mercado). Independente destas questões, "Nihonjin" é uma das grandes novidades do meio literário. Nesta entrevista, o autor fala sobre seu processo de escrita e repercute o resultado do Jabuti. 

Gostaria de saber o que o motivou a contar essa história, fazer a reconstrução histórica da imigração japonesa. 
Na minha pesquisa para o doutorado, que versa sobre personagens nipo-brasileiros na ficção, encontrei pouquíssimo material e constatei que a cultura nikkei ocupava um espaço mínimo na literatura brasileira. Essa decepção me motivou a escrever o romance. 

Um ponto forte é a maneira econômica como você compõe os personagens. Através de poucas ações há sugestão de profundidade. Como foi criar esses personagens?
O romance é narrado em primeira pessoa por um personagem que mantinha uma relação afetiva com os demais, portanto o seu discurso não poderia ser outro que não o emocional. Na verdade, narrando a história de sua família, o personagem procura compreender a si próprio e encontrar a sua identidade. E a concisão é uma característica minha como escritor, não consigo escrever além do que me parece ser o essencial. 

O livro narra a saga de uma família que vem ao Brasil. Trata da cultura japonesa, a vontade de manter tradições numa dura realidade. Gostaria que falasse sobre preservar costumes mesmo com o choque gerado pelo que é diferente (algo bastante simbólico).
O processo de aculturação dos imigrantes japoneses e seus descendentes foi muito lento. A experiência da alteridade é sempre difícil, mas no caso da imigração japonesa no Brasil, as dificuldades foram maiores que aquelas enfrentadas pelos italianos, alemães e outros imigrantes. A própria configuração física do japonês o lembrava a todo instante que ele era diferente. É difícil para o ser humano não se reconhecer naquele que vê a sua frente. Outro aspecto que causou um grande sofrimento foi a língua. O japonês não conseguia compreender a língua portuguesa, e da mesma forma era difícil se fazer entender usando a língua japonesa. As diferenças culturais entre os dois países eram gritantes. Eles estavam acostumados a dormir em tatames e a comer peixe cru, e de repente foram obrigados a se deitar em colchões de palha e comer feijão cozido em gordura de porco. Além disso, havia a fidelidade que devotavam ao imperador japonês e o orgulho da raça. Essas condições fizeram com que os imigrantes japoneses e seus descendentes mantivessem os seus costumes por tantos anos. 

Podemos notar aspectos pessoais no livro? Ou a realidade é apenas incentivo para a ficção? 
"Nihonjin" é uma obra de ficção e todos os personagens, inclusive o narrador, são criações do escritor. Mas também é um romance sobre a imigração japonesa escrita por um nipo-brasileiro, portanto o autor está presente, sim, na obra e no narrador. Um exemplo é a profissão de ambos: professor. E o modo compreensivo e afetivo, mas também crítico, como o narrador avalia a história da imigração japonesa marca a presença do escritor na obra. 

Mesmo falando sobre a vinda de japoneses para o Brasil, o enredo parece se desdobrar por diferentes dramas universais. Acredita que a universalidade é importante na literatura?
Não escrevi um romance direcionado a leitores nipo-brasileiros, mas frequentemente eles me escrevem dizendo que se reconheceram ou que se lembraram de histórias que pais e avós lhe contavam. Mas também já ouvi pessoas sem ascendência japonesa dizerem que se reconheceram no romance. Esse fato indica o caráter da obra. A questão da universalidade não me preocupou quando escrevia o romance, mas, naturalmente, pela minha experiência como leitor, esse aspecto foi incorporado. Eu quis contar a história de uma família de imigrantes japoneses e enfatizar seus dramas particulares, mas, prioritariamente, quis escrever sobre a vida. 

Como este é seu primeiro romance, gostaria que falasse um pouco sobre sua maneira de trabalho.
Não penso na literatura como um trabalho. Felizmente não necessito dos direitos autorais para meu sustento e da minha família. Eu escrevo nos momentos de folga, sem pressão, sem estabelecer uma rotina, aproveitando o que já armazenei na minha cabeça nos momentos de caminhada, de ócio numa poltrona de avião ou de ônibus. As histórias e os personagens surgem do emaranhado de lembranças, de leituras, de observações do cotidiano. 

Você ganhou o Jabuti, mas essa escolha acabou cercada pela polêmica com o jurado Rodrigo Gurgel. Qual sua opinião sobre o caso?
Eu não gostaria mais de falar sobre esse assunto, mas não posso fazer de conta que nada aconteceu e que a premiação foi tranquila. É natural que a Imprensa e todos aqueles ligados à literatura queiram saber a minha opinião sobre esse assunto. Embora não tenha lido os romances de Ana Maria Machado e de outros autores que receberam notas muito baixas de Rodrigo Gurgel, creio que o fato de serem finalistas do Jabuti os coloca num patamar elevado, distante da nota zero, mas, por outro lado, o regulamento previa notas de zero a dez, portanto não houve descumprimento da norma. 

Acha que essa polêmica será positiva para o livro? Acabou chamando a atenção para uma obra que, sem o Jabuti, talvez fosse pouco percebida.
Obviamente gostaria de ter recebido o Jabuti sem o peso da polêmica que envolveu a premiação. Embora o debate tenha dado maior visibilidade ao romance e tenha despertado a curiosidade sobre o livro, não posso dizer que a polêmica tenha sido positiva. O desconforto que ela me causou foi muito grande, e durante um período se falava mais dela que do prêmio. Espero que a polêmica seja esquecida e o livro permaneça. 

SERVIÇO

Nihonjin
Benvirá, 176 páginas, R$ 19,90

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