terça-feira, 8 de janeiro de 2013

O silêncio expressivo de Eucanaã


Hugo Viana

Ao longo de 2012 a prosa brasileira foi muito elogiada, ganhou espaço internacional (com tradução de autores para o inglês através da Granta e o anúncio da presença nacional na feira de Frankfurt de 2013), além de algo essencial: foram lançados ótimos romances, livros que demonstram maturidade narrativa e estilo pessoal sem exagero de ego. Ao mesmo tempo, a poesia brasileira passa por um momento que - mesmo sem tanta aprovação de mercado - parece especial. Entre alguns ótimos lançamentos, um dos destaques é "Sentimental", sexto livro do carioca Eucanaã Ferraz.

"Não há dúvida de que poesia é o gênero que menos vende", diz Eucanaã. "Mas, curiosamente, ela exibe uma história de prestígio, que guarda uma dimensão mitológica, como o teatro, a música e a arquitetura. Mas se é da natureza de tais artes poderem se tornar mais ou menos úteis, com a poesia não ocorre o mesmo. Portanto, se sempre se escreveram e ainda se escrevem versos, o impulso nunca tem a ver com um sucesso financeiro desejável", reflete o autor.

O nome do livro sugere certa medida de romanstismo, um apelo emocional ao amor romântico - algo que, na ironia da geração contemporânea, é visto com medida excessiva de desdém. Já no primeiro poema, "O coração", no entanto, Eucanaã promove uma espécie de ruptura de expectativas. "Quase só músculo a carne dura / É preciso morder com força", escreve o autor, ressaltando, com humor e fúria, que o título parece mais uma espécie de jogo de reconstrução.

"Percebi uma liberdade de escrita, uma intensidade emotiva que eu desejava destacar", diz o autor. "O título tem a ver com o tom dominante do livro, anuncia sua ambição: a intensidade dos sentimentos. E estive sempre muito excitado com a ideia de usar um qualificativo que, no mundo das artes, antipatiza de imediato com a comoção fácil, a confissão, a afetação romanesca, compreendidos como traços opostos ao rigor formal, ao predomínio da inteligência. Quis recuperar a palavra exatamente para contrabalançar tudo isso. Sentimental aponta para algo que ninguém quer ver e que está lá", sugere Eucanaã.

"A maior parte dos poemas do livro foi escrita ao longo dos últimos quatro anos", explica o autor. Sobre seu método de trabalho, Eucanaã detalha: "Escrevo e reescrevo muitas vezes. Jogo muita coisa fora, abandono. Rasgo muito. Rabisco, anoto, refaço, corto. Faço sempre muitas versões em diferentes cadernos. Quando os rascunhos chegam a um estágio que considero mais acabado, vou passando para o computador. Tem início, então, uma outra etapa de escrita, com impressão, reescrita, leitura, na qual vou experimentando combinações, arranjos", revela.

A poesia de Eucanaã parece sugerir a necessidade de uma imagem, a sugestão de uma cena que construída com delicadeza, palavra e silêncio. "Digamos que há um modo oblíquo de dizer", explica o autor. "Num poema, a coisa dita deixa um vazio grande entre as palavras. Gosto de sentir esse silêncio vibrando. O ritmo só pode ser sentido porque há pausas. E, quando falo de ritmo, não me refiro a uma coisa estritamente formal. Ritmo é também significado. Não é por acaso que nos emocionamos com músicas sem letra. No poema, há mais coisas não ditas que ditas. Se um poema nos dá a sensação de que disse tudo, algo está errado: ou o poema ou a impressão do leitor", opina.

Eucanaã faz um tipo de poesia de parágrafos longos, com descrição de cenas e criação de pequenos enredos - lembram a estrutura da prosa. "Não penso em termos de poesia e romance", diz o autor. "Mas, sem dúvida, vários poemas do livro têm da algo da prosa: o comparecimento de vozes, personagens, ambientes. Disso resulta alguma narratividade. Mas a estrutura rítmica é característica da poesia. A divisão de versos pode parecer, às vezes, aleatória, mas há um rigor na construção desse efeito, algo que nasce de uma exploração de possibilidades do poema que não o dissolvem naquilo que chamamos de prosa", detalha.

SERVIÇO

"Sentimental", de Eucanaã Ferraz
Companhia das Letras, 96 páginas, R$ 32

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