sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

As diferentes camadas do amor


Hugo Viana


O diretor austríaco Michael Haneke, 70 anos, ocupa um lugar curioso no mercado: vem ganhando prêmios diferentes e significativos, como o Oscar e a Palma de Ouro em Cannes, além de a cada novo filme atrair mais interesse público, mesmo fazendo, essencialmente, o mesmo tipo de cinema há décadas. 

Na aparente ausência sentimental, Haneke parece fazer ensaios sobre vida privada e sociedade fora de controle, uma maneira de contar histórias que se aproximam com precisão cirúrgica de dramas humanos. Em "Amor", título que na brevidade contém a força da sugestão, Haneke narra uma história dolorosa que parece em harmonia com seus filmes anteriores, unidade que ganha forma desde os anos 1980, uma trajetória reconhecível na capacidade duramente honesta de falar sobre angústias com distanciamento emocional. 

A história é sobre Georges (Jean-Louis Trintignant) e Anne (Emmanuelle Riva), que estão com 80 e poucos anos, foram professores de música e agora mantêm uma rotina no vigor que a idade permite. Certo dia, Georges nota um lapso momentâneo na mulher, que durante o café da manhã permanece imóvel por alguns minutos. Exames mostram a necessidade de operação, e Anne infelizmente está na eventualidade dos 5% de chance de dar errado: a cirurgia deixa seu lado direito paralisado. 

O filme então parece demonstrar, através de ações e poucas palavras precisas, as diferentes camadas do amor. Não apenas o sentido de companhia nas horas difíceis, o apoio para um corpo antes cheio de energia e agora em estado gradual de falência, mas também a digna fidelidade de querer bem, a ternura necessária para atos extremos de compaixão mesmo que signifiquem sacrificar o que há de verdadeiro e essencial na vida. 

Talvez esse filme não fosse tão especial sem Trintignant e Riva, atores com histórias pessoais no cinema que parecem vivas em "Amor". A certa altura, Trintignant comenta que quando era garoto foi ao cinema; ele recorda vagamente a história e diz, com a serenidade peculiar de quem parece falar sobre a própria biografia: "Não me lembro do nome do filme, mas me lembro do que senti na época". Haneke incorpora aspectos particulares dos atores, atualizando com amor imagens eternizadas no passado do cinema, especialmente a participação de Riva em "Hiroshima, meu amor" (1959). 

Embora a atuação de Riva venha sendo elogiada (concorre ao Oscar de melhor atriz), sugerindo fraqueza gradual e perda de lucidez com talento especial, Trintignant parece ter a missão mais difícil por ser, nas palavras de Anne, um "monstro gentil". A natureza humana é terrivelmente complexa, sendo movida por sentimentos primevos e difíceis de analisar através da razão, e é justamente esse aspecto impossível de apreender que os dois atores demonstram, elevando o filme a cada cena. 

Haneke mantém seu estilo peculiar de filmar, dilatando a extensão de uma cena na aparência comum, com isso modificando a rotina, sugerindo, assim, que algo essencial e ao mesmo tempo inexplicável ocorre em cena. 

O diretor parece especialmente interessado no corpo humano, nos efeitos do tempo sobre o físico. Uma ação simples como se levantar ou trocar de roupa é filmada na duração exata que a força dos 80 anos permite, e não parece existir qualquer exagero ou manipulação emocional: é talvez um comprometimento com a vida, uma reflexão sobre o momento em que ela e a morte parecem encaminhar um instante único.


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