segunda-feira, 8 de outubro de 2012

A biografia de um cinéfilo


Hugo Viana

Quentin Tarantino se tornou uma espécie de mito pop na história do cinema dos anos 1990. Sua formação e início de carreira, com "Cães de Aluguel" (1992), são lembrados como atos de rebeldia: ele aprendeu métodos de criação baseado não no conhecimento teórico, em aulas na universidade ou trechos de livros, e sim através de um treinamento intensivo, vendo exaustivamente, por paixão, filmes clássicos ou esquecidos, até o ponto de compreender a linguagem cinematográfica.

A história de Tarantino, que começou como atendente de uma locadora, sua peculiar noção de cinema, a maneira de trabalhar num set de filmagem, as origens de seu estilo hoje facilmente reconhecível, o interesse por um gosto que não é o padrão - a base criativa do diretor é composta por produtos da cultura pop, projetos que geralmente são identificados como "inferiores" no meio cultural, terror, exploração de violência gratuita, kung fu - estão no lançamento "Quentin Tarantino" (Leya, 384 páginas, R$ 49,90), organizado por Paul A. Woods.

O livro parece uma iniciativa fundamental para compreender, a partir de diferentes pontos de vista, o que marca um estilo e define uma noção de autoria no cinema. Cada filme de Tarantino é analisado por críticos distintos, oferecendo um panorama amplo de recepção de cada obra - textos escritos na época de lançamento de cada longa-metragem, o que parece favorecer uma percepção mais precisa sobre o impacto de "Cães de Alguel" e "Pulp Fiction" no mercado cinematográfico. O livro também traz reportagens sobre bastidores de filmagens, resenhas das obras mais recentes, fotos raras e, especialmente, entrevistas reveladoras com o próprio realizador sobre seus projetos.

No primeiro longa-metragem, "Cães de Aluguel", Tarantino chamou a atenção, especialmente por duas cenas. A primeira, em que bandidos, antes de assaltar um banco, conversam numa cafeteria, discutem o real significado da música "Like a Virgin", de Madonna, parece ironizar o passado do filme de gangster. A segunda, uma longa tortura em que um dos bandidos joga gasolina em um policial para em seguida arrancar sua orelha, gerou reclamações, censuras, objeções severas de espectadores não habituados a ver, no cinema comercial, cenas dessa natureza - imagens que eram comuns no gênero horror adquiriram peso maior nos espaços tradicionais de exibição.

Tarantino passou pelo "teste do segundo filme", vencendo a Palma de Ouro de Cannes com "Pulp Fiction" (1994), título que remete a romances baratos, com elevada carga de sexo e violência. Reconhecido como bom diretor de atores (estudou interpretação durante seis anos), o realizador atraiu profissionais como Bruce Willis, Uma Thurman, John Travolta e Samuel L. Jackson, habituados a receber como pagamento o orçamento total do filme (U$ 8 milhões).

Embora esses dois filmes insinuem a presença de uma autoria, pistas de um realizador consciente dos estatutos do cinema, através de diálogos inesperados para a narrativa policial e uma exuberância apaixonada ao filmar os efeitos da violência, foram obras que cristalizaram questionamentos sobre o que pode o cinema: foram elogiados por um certo estilo transgressor, por revirar os códigos do gênero, ao mesmo tempo em que receberam críticas por não exibirem consciência sobre o impacto da violência, além de serem, às vezes exaustivamente, referentes ao cinema dos anos 1970.

A confusão de referências, a mistura intensa entre filmes asiáticos ou obras consideradas exemplares do cinema B, autores como George Romero ou Roger Corman, cineastas que trabalhavam na produção alternativas, com filmes sobre zumbis ou gigantes planas carnívoras, são recorrências na cinematograifa de Tarantino, representam influências essenciais para sua percepção de cinema.

Tarantino tem interesse pelo gênero horror, por mostrar, através de um exagero de estilo, o que filmes convencionais não ousam, criando roteiros que confirmam originalidade modificando influências diretas. Depois de "Bastardos Inglórios" (2009), incrível exemplar de "filme de guerra", devidamente modificado por uma caligrafia peculiar, atualmente Tarantino está em processo de finalização de "Django Livre" - com estreia prevista para 18 de janeiro -, obra inspirada em outra paixão do cineasta: o gênero western.

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