quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Humor com toques fantásticos


Hugo Viana


Crianças solitárias costumam criar amigos imaginários, desenvolver um tipo de camarada para segurar a mão em noites de trovoadas ou uma companhia para tardes quentes de tédio. Em "Ted", do diretor estreante Seth MacFarlane, a premissa do amigo irreal vem como comédia de toques fantásticos. Em uma noite de Natal especialmente triste, nos anos 1980, um garoto, deitado na cama abraçado com seu ursinho de pelúcia, deseja que seu brinquedo se torne vivo. Passa uma estrela cadente e na manhã seguinte o urso começa a falar.

Então o filme coloca essa fantasia nos moldes da realidade, sendo esse choque o mecanismo da comédia; o urso, chamado Teddy, se torna atração midiática, dá entrevistas, é capa de revistas, vira, de maneira comicamente compreensível, curiosidade nacional. Aplicar um sentido de normalidade para algo fora do comum parece o melhor truque do filme, é a ideia que rende as melhores piadas (Teddy numa entrevista de emprego ou conversando com jornalistas gera facilmente risadas honestas).

Passam 27 anos, esse ursinho amigo e carinhoso se transforma num adulto, mantendo seu cômico tamanho mini, torna-se admirador de prostitutas e apreciador de diferentes ofertas de maconha: "Pânico do gorila", "Eles estão chegando!" e "Isso é permanente". Teddy é o clichê do homem bruto, abre a geladeira apenas para pegar cerveja, conversa quase exclusivamente sobre mulher e tem como meta diária diversão sem muita medida. Aplicando uma espécie imatura de humanidade a um boneco, Seth mostra senso de humor.

O menino (Mark Wahlberg) também cresceu, tinha 12 anos quando fez o pedido, agora tem 35, embora não demonstre qualquer indício de maturidade. É esse o charme do filme: o tema é a falta de habilidade para amadurecer, entrar numa nova fase da vida, coisas como comprar apartamento, manter relacionamento sério. A dificuldade em conseguir tudo isso vem na forma de metáfora, um urso de pelúcia, aspecto marcante da infância, sugerindo vínculo com o passado, a negação da vida adulta.

Embora essa ideia seja simples e inteligente, o filme parece se esforçar para não entregar qualquer momento de reflexão; são muitas cenas que legitimam parentesco entre "Ted" e filmes como "American Pie" ou "Se beber não case", franquias dedicadas ao humor de extremos.  "Ted" não é bem um filme politicamente correto, as piadas vão a lugares sensíveis, ao Oriente Médio, gostos da classe média, talvez preconceito disfarçado de comédia imprudente. É um tipo criativo de enredo que tropeça com alguma frequência em aspectos banais da comédia norte-americana média.

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