Hugo Viana
Crianças
solitárias costumam criar amigos imaginários, desenvolver um tipo de camarada
para segurar a mão em noites de trovoadas ou uma companhia para tardes quentes
de tédio. Em "Ted", do diretor estreante Seth MacFarlane, a premissa
do amigo irreal vem como comédia de toques fantásticos. Em uma noite de Natal
especialmente triste, nos anos 1980, um garoto, deitado na cama abraçado com
seu ursinho de pelúcia, deseja que seu brinquedo se torne vivo. Passa uma
estrela cadente e na manhã seguinte o urso começa a falar.
Então
o filme coloca essa fantasia nos moldes da realidade, sendo esse choque o
mecanismo da comédia; o urso, chamado Teddy, se torna atração midiática, dá
entrevistas, é capa de revistas, vira, de maneira comicamente compreensível,
curiosidade nacional. Aplicar um sentido de normalidade para algo fora do comum
parece o melhor truque do filme, é a ideia que rende as melhores piadas (Teddy
numa entrevista de emprego ou conversando com jornalistas gera facilmente
risadas honestas).
Passam
27 anos, esse ursinho amigo e carinhoso se transforma num adulto, mantendo seu
cômico tamanho mini, torna-se admirador de prostitutas e apreciador de
diferentes ofertas de maconha: "Pânico do gorila", "Eles estão
chegando!" e "Isso é permanente". Teddy é o clichê do homem
bruto, abre a geladeira apenas para pegar cerveja, conversa quase
exclusivamente sobre mulher e tem como meta diária diversão sem muita medida.
Aplicando uma espécie imatura de humanidade a um boneco, Seth mostra senso de
humor.
O
menino (Mark Wahlberg) também cresceu, tinha 12 anos quando fez o pedido, agora
tem 35, embora não demonstre qualquer indício de maturidade. É esse o charme do
filme: o tema é a falta de habilidade para amadurecer, entrar numa nova fase da
vida, coisas como comprar apartamento, manter relacionamento sério. A
dificuldade em conseguir tudo isso vem na forma de metáfora, um urso de
pelúcia, aspecto marcante da infância, sugerindo vínculo com o passado, a
negação da vida adulta.
Embora
essa ideia seja simples e inteligente, o filme parece se esforçar para não
entregar qualquer momento de reflexão; são muitas cenas que legitimam
parentesco entre "Ted" e filmes como "American Pie" ou
"Se beber não case", franquias dedicadas ao humor de extremos. "Ted" não é bem um filme
politicamente correto, as piadas vão a lugares sensíveis, ao Oriente Médio,
gostos da classe média, talvez preconceito disfarçado de comédia imprudente. É
um tipo criativo de enredo que tropeça com alguma frequência em aspectos banais
da comédia norte-americana média.
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