segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Comédia sobre o homem contemporâneo

Hugo Viana

Foto: Mari Lopes

"Fingidores", novo livro do escritor gaúcho Rodrigo Rosp, é um testemunho sobre a existência, um depoimento sobre a complexa rede de possibilidades que acossam o homem contemporâneo. Mas esses temas densos, que sugerem certo desgaste emocional, são tratados através do humor; como Woody Allen, referência imediata, Rodrigo recorre à ironia para compreender hábitos excêntricos em relacionamentos, religião, morte. 

Mesmo presente na literatura nacional, o humor, a comédia sobre o cotidiano, é um gênero pouco explorado - um artifício que, na hierarquia da escrita ficcional, é opção que raramente surge como incentivo principal. "Acho que a comédia assumida, aquela com a intenção primeira de fazer rir, talvez apareça pouco em nossa produção, mas a ironia, o deboche e o sarcasmo estão presentes na literatura contemporânea", opina Rodrigo. 

O livro reúne histórias curtas que parecem encenar equívocos recorrentes em relacionamentos - e, para Rodrigo, nada mais apropriado do que rir do desastre. "Me parece que a maior parte dos autores com menos de 40 anos tem olhar irônico sobre o mundo, a sociedade, as relações humanas. Pode ser um retrato dos tempos atuais, quando o homem falhou, a ciência falhou, a religião falhou, o socialismo e o capitalismo não resolveram nada, e resta um olhar niilista e de pouca esperança sobre a existência - e, então, o que resta é rir disso", ressalta.

O enredo é a vida e a morte de Caio, um professor de literatura com hábito de sabotar as próprias conquistas, um tipo desastroso de apostador, que costuma sacrificar relacionamentos e a estabilidade em troca desejos e pulsões do momento. Através deste personagem, Rodrigo investiga dilemas atuais, uma perspectiva masculina e comicamente machista sobre amor, política e cultura. 

A narrativa é dividida em nove cenas, textos que parecem desafiar a classificação por gêneros - podem ser catalogados como contos, romance em nove capítulos, novela ou dramaturgia teatral. A união entre os trechos está na perspectiva de Caio sobre os acontecimentos, análises em que sobressai o humor, a visão cínica sobre eternas dúvidas existenciais e fatos ordinários do cotidiano. 

No texto, lembrando edições que reúnem peças de teatro, há apenas os diálogos, com o mínimo de intervenção de um narrador. É uma opção que coloca o diálogo como forma única de contato com os personagens: não temos acesso à construção emocional distante, acompanhamos apenas uma vaga e cômica sequência de conversas e encontros. 

"Desde o começo, minha ideia era fazer um livro de contos baseado em diálogos, em que não houvesse a necessidade de um narrador e com o mínimo possível de interferências ou marcações", lembra Rodrigo. "Na minha cabeça, a ideia não era ser uma peça de teatro, mas uma falsa peça, usando apenas a estrutura formal, mas colocando recursos como juízos e pensamentos nas rubricas. Foi aí que os contos passaram a ser chamados de cenas, e resolvi deixar a classificação do livro aberta (em nenhum lugar se fala em contos, romance, ou teatro)", ressalta o autor. 

"Escritores que usam
ironia e sarcasmo 
me interessam"

Como temos apenas diálogos, o ritmo da conversa torna-se essencial. Quais suas técnicas para diálogos? 
Gosto de escrever diálogos, e a minha preocupação com o ritmo e a fluência foi grande. É difícil falar em técnica, mas acho que dois fatores contribuíram: o gosto pela leitura de peças de teatro e pelos filmes com grandes diálogos, como produções da Hollywood dos anos 1940 e 50 - Woody Allen, Billy Wilder e Tennessee Williams. O segundo fator é o teste constante: mostrei para muita gente, li em aulas, li alto para mim mesmo. Precisei ver o texto sair do papel e ganhar a boca dos personagens. Acho que isso serviu para evitar problemas de ritmo, frases travadas.

Caio é um tanto canalha. Parece um meio para você fazer piadas sobre a existência. Como concebeu esse protagonista? 
A ideia do personagem surgiu de um conto, em que queria testar a forma com diálogos. Quando fui escrever outro conto, que, na minha cabeça, não tinha nenhuma conexão com o anterior, a voz do personagem tomou conta e vi que era o mesmo do primeiro texto. Criei contos com esse personagem, que ia ganhando características (mais ácido, mais irônico) de acordo com o contexto. Eu anotava piadas no trânsito, na rua, saindo do banho, antes de dormir. Depois tive o imenso trabalho de encaixar tudo, descartando o que parecia não ter conexão com as histórias.

Woody Allen parece referência forte. Que outros artistas citaria na construção de sua voz autoral?
O tipo de humor de Woody Allen sem dúvida é influência. Outra influência é Nelson Rodrigues, pela ironia, cinismo, a intenção de apontar a hipocrisia e a falsidade das relações. Essas são as influências que me vêm naturalmente, embora a leitura - e os filmes - de toda a vida sempre acabem ecoando. De um modo geral, escritores que fazem uso da ironia e do sarcasmo (lembrei agora também de Machado de Assis e de Nabokov) me interessam.

Saiba mais

AUTOR - Rodrigo Rosp é escritor e editor da Não Editora e da Dublinense. Lançou os livros de contos "A virgem que não conhecia Picasso" (2007) e "Fora do lugar" (2009) e organizou a antologia de contos "24 letras por segundo" (2011) - todos pela Não Editora.

"Fingidores", de Rodrigo Rosp
Não Editora, 176 páginas, R$ 29,90

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