Hugo Viana
É
através do humor, da comédia do cotidiano, que o ilustrador carioca Bruno Maron
investiga um fenômeno estranhamente comum no comportamento humano, a timidez, o
medo de falar em público, os receios que envolvem conversar com estranhos. No
livro "Manual de sobrevivência dos tímidos", Bruno observa como
mecanismos da timidez, quando enxergados de perto, são comicamente envolventes.
É
um livro que, através de textos e ilustrações, comenta o pensamento de um
tímido, a rotina de quem tem como hábito fugir de eventos sociais, escapar de
conversas fiadas, evitar confrontos. Não se trata de auto-ajuda, narrativas que
supostamente ajudam pessoas a superar a timidez; é uma publicação que fala
sobre medos comuns com dicas irônicas para suportar diferentes situações
sociais.
"O
humor é o intervalo entre as notas musicais, a respiração de alívio",
sugere Bruno. "Eu não consigo ignorar a importância do humor na experiência
humana. Analisar o humor sob critérios sisudos fornece mais combustível para a
chacota", ressalta o autor.
O
livro é escrito em primeira pessoa, opção que gera interessante vínculo entre
autor e leitor. Bruno é o protagonista comicamente trágico de seus enredos;
lembra autores como Woody Allen ou Saul Steinberg, comediantes que são alvos
das próprias piadas, heróis desastrados e de bom coração - artistas que
compartilharam, com humor, percepções sobre dramas universais. "Quando você coloca em jogo sua própria
carcaça na zona humorística, a vida fica muito mais leve. Se a angústia de ser
tímido atingiu um ponto insustentável, é hora de rir de si mesmo", avalia.
As
imagens do livro parecem inspiradas em ilustrações de natureza informativa,
cartelas de segurança encontradas em aviões ou hospitais, criando um humor
especial ao recuperar lembranças dessas imagens e sugerir novos e inesperados
significados para os desenhos. "Fiz uma pesquisa enorme em cima desse tipo
de desenho", diz Bruno. "É impressionante como esses desenhos são
involuntariamente engraçados, de uma simplicidade atroz e ao mesmo com uma
expressividade pitoresca", comenta o autor.
Bruno
parte de uma coleção de imagens reconhecíveis, transformando elas com
interferências pessoais. "Usei uma técnica mista de colagem e
desenho", diz o autor. "O meu traço está ali pra deformar aquele
desenho mais durão. Tentei injetar uma precariedade sem comprometer a linguagem
universal daquelas cartelas de segurança", explica Bruno.
"Se a angústia de ser tímido atingiu um ponto
insustentável, é hora de rir de si mesmo"
Como surgiu a ideia para o livro? Desde o começo a
proposta era unir imagem e texto?
O
ano exato é 2001. Eu estava numa fase horripilante da minha vida, tinha chegado
num ponto de massa crítica da timidez, tomando esporro quase diariamente num
estágio completamente inadequado, de webdesign. Posso afirmar que estava
rolando uma sinergia de equívocos em todos os setores da minha existência. Por
sorte, dois grandes amigos também estavam passando por algo semelhante nesse
território de inaptidão. Criamos um encontro sagrado num restaurante pra
discutir "projetos que iam salvar a vida", pois a pressão para
prosperar estava começando a deixar a gente numa sinuca. Não sei por que, mas o
encontro adquiriu um tom confessional sobre coisas que cada um fazia pra evitar
o contato humano. A gente simplesmente chorava de rir quando descobria que
usava as mesmas táticas. Vimos que existia um arcabouço teórico pra defender a
timidez, daí surgiu a ideia do manual. Os textos vieram primeiro. As imagens
vieram depois, pra potencializar o texto.
Chama a atenção o humor em que você se inclui como uma
espécie de protagonista trágico, como os filmes de Woody Allen. Como avalia
esse humor em primeira pessoa? Que outras referências você citaria?
Woody
Allen é um grande mestre, com certeza. O cara fez algumas obras-primas da
autodepreciação como o "Desconstruindo Harry", meu favorito dele. Nos
quadrinhos, eu diria que o Allan Sieber fez esse tipo de humor como poucos.
Outro cara que me influenciou demais foi o Henry Mencken com seu maravilhoso
"Livro dos Insultos". Aí é o rebaixamento da vida humana no nível
mais rocambolesco possível. Até hoje nunca li nada tão engraçado quanto esse
livro.
Saiba
mais
ENDEREÇO
Bruno mantém um site que reúne toda sua produção artística: www.brunomaron.com.
EDITORA
Esta é a terceira publicação da Lote 42. Os primeiros livros da editora foram
"Já matei por menos", de Juliana Cunha, e "O pintinho", de
Alexandra Moraes.
SERVIÇO
"Manual
de sobrevivência dos tímidos", de Bruno Maron
Lote
42, 128 páginas, R$ 39,90
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