segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Quanto mais embaraçoso, melhor

Hugo Viana


É através do humor, da comédia do cotidiano, que o ilustrador carioca Bruno Maron investiga um fenômeno estranhamente comum no comportamento humano, a timidez, o medo de falar em público, os receios que envolvem conversar com estranhos. No livro "Manual de sobrevivência dos tímidos", Bruno observa como mecanismos da timidez, quando enxergados de perto, são comicamente envolventes.

É um livro que, através de textos e ilustrações, comenta o pensamento de um tímido, a rotina de quem tem como hábito fugir de eventos sociais, escapar de conversas fiadas, evitar confrontos. Não se trata de auto-ajuda, narrativas que supostamente ajudam pessoas a superar a timidez; é uma publicação que fala sobre medos comuns com dicas irônicas para suportar diferentes situações sociais.

"O humor é o intervalo entre as notas musicais, a respiração de alívio", sugere Bruno. "Eu não consigo ignorar a importância do humor na experiência humana. Analisar o humor sob critérios sisudos fornece mais combustível para a chacota", ressalta o autor.

O livro é escrito em primeira pessoa, opção que gera interessante vínculo entre autor e leitor. Bruno é o protagonista comicamente trágico de seus enredos; lembra autores como Woody Allen ou Saul Steinberg, comediantes que são alvos das próprias piadas, heróis desastrados e de bom coração - artistas que compartilharam, com humor, percepções sobre dramas universais.  "Quando você coloca em jogo sua própria carcaça na zona humorística, a vida fica muito mais leve. Se a angústia de ser tímido atingiu um ponto insustentável, é hora de rir de si mesmo", avalia.

As imagens do livro parecem inspiradas em ilustrações de natureza informativa, cartelas de segurança encontradas em aviões ou hospitais, criando um humor especial ao recuperar lembranças dessas imagens e sugerir novos e inesperados significados para os desenhos. "Fiz uma pesquisa enorme em cima desse tipo de desenho", diz Bruno. "É impressionante como esses desenhos são involuntariamente engraçados, de uma simplicidade atroz e ao mesmo com uma expressividade pitoresca", comenta o autor.

Bruno parte de uma coleção de imagens reconhecíveis, transformando elas com interferências pessoais. "Usei uma técnica mista de colagem e desenho", diz o autor. "O meu traço está ali pra deformar aquele desenho mais durão. Tentei injetar uma precariedade sem comprometer a linguagem universal daquelas cartelas de segurança", explica Bruno.

"Se a angústia de ser tímido atingiu um ponto
insustentável, é hora de rir de si mesmo"

Como surgiu a ideia para o livro? Desde o começo a proposta era unir imagem e texto?
O ano exato é 2001. Eu estava numa fase horripilante da minha vida, tinha chegado num ponto de massa crítica da timidez, tomando esporro quase diariamente num estágio completamente inadequado, de webdesign. Posso afirmar que estava rolando uma sinergia de equívocos em todos os setores da minha existência. Por sorte, dois grandes amigos também estavam passando por algo semelhante nesse território de inaptidão. Criamos um encontro sagrado num restaurante pra discutir "projetos que iam salvar a vida", pois a pressão para prosperar estava começando a deixar a gente numa sinuca. Não sei por que, mas o encontro adquiriu um tom confessional sobre coisas que cada um fazia pra evitar o contato humano. A gente simplesmente chorava de rir quando descobria que usava as mesmas táticas. Vimos que existia um arcabouço teórico pra defender a timidez, daí surgiu a ideia do manual. Os textos vieram primeiro. As imagens vieram depois, pra potencializar o texto.

Chama a atenção o humor em que você se inclui como uma espécie de protagonista trágico, como os filmes de Woody Allen. Como avalia esse humor em primeira pessoa? Que outras referências você citaria?
Woody Allen é um grande mestre, com certeza. O cara fez algumas obras-primas da autodepreciação como o "Desconstruindo Harry", meu favorito dele. Nos quadrinhos, eu diria que o Allan Sieber fez esse tipo de humor como poucos. Outro cara que me influenciou demais foi o Henry Mencken com seu maravilhoso "Livro dos Insultos". Aí é o rebaixamento da vida humana no nível mais rocambolesco possível. Até hoje nunca li nada tão engraçado quanto esse livro.

Saiba mais

ENDEREÇO Bruno mantém um site que reúne toda sua produção artística: www.brunomaron.com.

EDITORA Esta é a terceira publicação da Lote 42. Os primeiros livros da editora foram "Já matei por menos", de Juliana Cunha, e "O pintinho", de Alexandra Moraes.

SERVIÇO

"Manual de sobrevivência dos tímidos", de Bruno Maron
Lote 42, 128 páginas, R$ 39,90


Nenhum comentário:

Postar um comentário