segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Letras brasileiras sob o céu da Alemanha

Hugo Viana

Neste mês a literatura brasileira é protagonista de um dos principais eventos literários do mundo, a Feira do Livro de Frankfurt, entre os dias 9 e 13. Antes, desta terça-feira até 29 de outubro, o pernambucano de Petrolândia radicado em Berlim Edney Pereira organiza a primeira edição do Festival de Literatura Brasileira em Berlim, mostra que reúne 19 autores (além dos brasileiros estão 3 da Alemanha e um de Angola). Entre os convidados, estão os pernambucanos Raimundo Carrero e Marcelino Freire, que também participa do evento em Frankfurt. 

"A ideia para o evento surgiu quando visitei o Festlatino, organizado pelo professor Humberto França, e a Fliporto, do advogado Antônio Campos", explica Edney. "No início, queria fazer não apenas um evento de literatura brasileira, mas de língua portuguesa, pela afinidade que tenho com autores de Moçambique, Angola e Portugal", detalha o produtor, que contou com apoio da Fundação Biblioteca Nacional, instituição que também coordena os encargos da homenagem que será prestada ao Brasil no evento em Frankfurt. 

"A Fundação Biblioteca Nacional está cobrindo as despesas de seis escritores: Paulo Lins, Ferréz, Marcelino Freire, Raimundo Carrero, André Sant'Anna e Daniel Galera - autores convidados através de um projeto que enviei à Fundação e que foi aprovado. O orçamento é bancado pela Biblioteca Nacional, Fundação Rosa Luxemburgo (Alemanha) e por editoras alemãs. Temos a parceria com a Embaixada do Brasil, no sentido de espaço: eles nos cedem o local para as leituras", ressalta Edney.

Esses dois eventos parecem indicar um crescente interesse estrangeiro pela literatura nacional, uma curiosidade que se intensifica ao longo do ano através de fatos que, nesta quantidade, são inéditos em nossa história literária. Ano passado, foi publicada a primeira edição em português da prestigiada revista britânica Granta, que reunia os "melhores jovens escritores", provocando reação imediata no mercado de língua inglesa - o aumento no número de escritores traduzidos para o mercado estrangeiro. 

Agora, esses dois eventos na Alemanha - cujo impacto é difícil de prever - parecem ratificar o bom momento não apenas da literatura, mas a cultura produzida no País - reflexo da atenção internacional dada ao Brasil também em termos políticos e econômicos. "Agora os escritores estão mais exigentes", sugere Raimundo Carrero, de Salgueiro. "Estamos passando por um momento muito bom. A crítica é exigente, assim os escritores oferecem mais e melhor. Acho que poucas vezes na literatura nacional tivemos um momento assim. Talvez nos anos 1930, 40 e 50, nosso apogeu depois de Machado de Assis. Temos uma geração que cresce a cada momento", opina o autor.  

Carrero destaca como esse atual momento é resultado, entre outros fatores, de políticas culturais. "Nossa situação melhorou depois que a Fundação Biblioteca Nacional criou bolsas. Isso facilitou a comunicação entre Brasil e Europa. Não quer dizer que esteja tudo fácil, mas é mais fácil do que antigamente. Eles agora percebem a altíssima qualidade na nossa literatura, então debatem e analisam. O impulso do Governo Federal, através da Fundação, foi importantíssimo", atesta. 

"Só o fato de a literatura estar em pauta já é bom demais", opina Marcelino Freire, natural de Sertânia. "Essa homenagem na Alemanha é fruto da agitação que está acontecendo por aqui. Claro que é ilusão dizer que os estrangeiros estão lendo loucamente os brasileiros. Há traduções, sim. Há ebulições, sim. Mas tudo ainda está no começo. Antes da gente, muitos autores ainda precisam reverberar por lá. Penso no Osman Lins, no Lúcio Cardoso e até, sei lá, no Graciliano. Movimento há. O importante é se movimentar", diz o autor. 

Marcelino destaca ainda a importância do diálogo com o leitor estrangeiro. "O bom é conhecer gente. Em setembro, apresentei em Frankfurt o show 'Cantos Negreiros' que, desde 2006, faço ao lado da cantora Fabiana Cozza. Rapaz, a receptividade foi excelente. Soltei meus contos e o pessoal viu aquilo como música, rap, vexame, repente. E havia, na plateia, creia, alemão que conhecia o meu trabalho, muitos que estudam, por lá, a literatura contemporânea brasileira. Gostei dessa troca de energias", diz o autor. 

Saiba mais

FRANKFURT Foram selecionados 70 escritores para participar da Feira do Livro de Frankfurt. Além de Marcelino, destaque para Ronaldo Correia de Brito (CE), Andrea del Fuego (SP), Carola Saavedra (RJ), Cristovão Tezza (SC) e Michel Laub (RS). 

LISTA Galeno Amorim, presidente da Fundação Bliblioteca Nacional, e Manuel da Costa Pinto, um dos curadores da seleção, ressaltaram, na época da divulgação dos nomes, em março, que a lista busca mostrar a diversidade da produção nacional. 

Jornada de Petrolândia para Berlim

Nesta primeira edição do Festival de Literatura Brasileira em Berlim, Edney promove encontros entre autores e leitores, conversas sobre literatura contemporânea. "Organizamos leituras, o autor lê parte do seu último livro, ou fazemos uma viagem entre os livros publicados. Depois, abrimos para o debate com o público - esta é a melhor parte, quando o autor interage com os leitores", explica Edney. "Esta é a primeira edição do festival, mas há oito anos organizamos leituras em Berlim", ressalta. 

O evento tem como proposta divulgar a produção literária nacional, ampliando o alcance de livros e autores brasileiros. "Nosso objetivo é principalmente tornar pública a literatura brasileira para o leitor alemão. As leituras e as conversas serão feitas nos dois idiomas", ressalta. "Além das leituras e oficinas, teremos concertos: a cantora de fado portuguesa Mariza, o percussionista de Olinda João Alencar e a violinista alemã Lilli Wassemann", comenta Edney. 

Edney visitou a Alemanha pela primeira vez em 2003 e se mudou em 2005. "Até então só conhecia o trajeto de Recife para Petrolândia, e de Petrolândia para o Recife", diz. No ano seguinte, Edney, que no Recife estudava Letras, abriu uma livraria com sua esposa. "Fizemos um projeto, para conseguir apoio. Depois, o gerente de um banco nos informou que a proposta tinha sido aprovada. Nunca acreditei que um banco iria dar dinheiro sem garantias que iria receber de volta. Ainda lembro a pergunta do gerente: 'O que você nos dá de garantia? Tem automóvel, casa?', e eu respondi: 'A única coisa que temos são duas bicicletas velhas', ele sorriu e nos pediu para assinar os papéis. Abrimos a livraria em novembro de 2006", conta. 

Escritores convidados

Raimundo Carrero (PE)
Marcelino Freire (PE) 
Bernardo Kucinski (SP) 
Willi Bolle (USP) 
Daniel Galera (RS) 
Ferréz (SP) 
André Sant'Anna (MG) 
Paulo Lins (RJ) 
Ricardo Domeneck (SP) 
João Paulo Cuenca (RJ) 
Ruy Castro (RJ) 
Heloisa Seixas (RJ) 
Flavio Wolf Aguiar (RS) 
Daniela Galdino (BA) 
Guiomar de Grammont (MG)
Kalaf Angelo (Angola) 
Professor Henry Thorau (Alemanha ) 
Peter Reinhold (Alemanha) 
Eckhard E. Kupfer (Alemanha)

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