quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

As vias indiretas da literatura

Hugo Viana

A editora carioca Confraria dos Ventos promove hoje o lançamento de quatro livros de escritores que, de maneiras diferentes, experimentam construções narrativas pessoais: "Estrangeiro no labirinto" (R$ 50), de Wellington de Melo, "Decadentistas", de Plácido Villanova, "O aquário desenterrado", de Samarone Lima, e "O vencedor está morto", de Bernardo Almeida (cada um por R$ 30). O evento será às 19h, no Centro Cultural Correios. 

É um evento que de certa forma materializa a produção literária de autores que participam do mercado editorial na perspectiva de criadores independentes. Wellington apresenta, neste seu primeiro romance, uma complexa estrutura que ao mesmo tempo em que convida para um enredo sobre personagens à beira do abismo, cria um labirinto de histórias em volta do leitor. Conhecemos um juiz acusado de homofobia, um matador de aluguel, uma prostituta viciada em crack, mas esses rótulos se tornam gradualmente largos e sugerem a humanidade escondida no limite da existência. 

"Talvez uma das coisas mais difíceis da ficção, para mim, que tinha escrito até então poesia, é delimitar as vozes dos personagens", diz Wellington. "Queria compor harmonicamente vozes dissonantes num coro bizarro em que cada integrante está num diapasão diferente. Ao mesmo tempo, me preocupava dar aos personagens a dimensão humana de que precisavam. No livro há muitos jogos de espelhos em que o leitor, desconcertado, se descobre em cada uma das faces que os personagens revelam, só para saber que, na verdade, caíra em uma armadilha. Por isso acho que os personagens só crescem no desenvolver do livro porque se confundem com o leitor, se camuflam em seus medos, seus preconceitos, suas iras", opina.  

Samarone, que semana passada lançou a segunda parte da Trilogia das Cores - crônicas sobre o Santa Cruz -, apresenta seu terceiro livro de poesias. Depois de "Tempo de vidro" e "Praça azul", finalistas do prêmio Jabuti deste ano, Samarone retorna à memória, ao processo ritualístico de lembrar como etapa essencial do processo de criação. Aos poucos, as palavras parecem formar imagens da infância, a manifestação do efêmero, a mistura de tempos: a herança ancestral e o cotidiano presente. 

"A escrita é um processo lento, lentíssimo", avisa Samarone. "Raros são os poemas que saem de primeira. Reescrevo, corto, retorno várias vezes ao texto, antes de considerá-lo pronto. Neste livro, tive leituras exaustivas com o amigo e grande amante da poesia, Arsênio Meira Jr, e com Karla Melo, editora da Confraria do Vento. É quase uma vigília com a palavra. Creio que aprofundei um pouco mais o fluxo de imagens, de memórias, encontrei algumas novas metáforas, como a do aquário desenterrado, que acabou se tornando o título do livro", aponta.

O evento se completa com dois outros lançamentos. Em "Decadentistas", primeira parte da Trilogia do Insulto, Plácido exercita uma escrita de frases curtas que promovem a mistura sinuosa entre afeto e agressão, lirismo e uma certa crueza do cotidiano. Em "O vencedor está morto", o autor baiano Bernardo Almeida apresenta três contos em que Salvador é um espaço contraditório e violento. "Sem, no entanto, excluir ou negar a alegria cínica do baiano, que segura as pontas sempre que pode, conseguindo, muitas vezes, manter o bom humor e o amor pela sua terra, apesar dos muitos motivos que tem para se envergonhar dela nos dias atuais", avisa Bernardo .

EDITORA 

A Confraria do Vento é uma editora com perfil independente, reunindo autores estreantes e experientes. "As grandes editoras raciocinam, ao que parece, levando em conta apenas o mercado", sugere Wellington. "É o modus operandi de um paquiderme ferido: não se movem pelo novo, pela experimentação estética, mas pela segurança do investimento, mesmo que a estética seja essa sombra que repousa em algum lugar da missão da editora. Minha decisão por escrever um romance foi estética: precisava da experiência da faena (o romance é um touro que vamos conduzindo ao sacrifício). Uma editora independente é o melhor parceiro para essa tourada, porque tem a agilidade de perceber a novidade e a audácia de arriscar no novo". 

Perguntas

Wellington de Melo

Você usa a metalinguagem tanto como recurso gráfico quanto em conceitos amplos, como a ideia de livro como "prisão". Como avalia o uso da metalinguagem? 
Só faz sentido para mim usar metalinguagem se for para testar os limites do pacto ficcional, como dar tapas para acordar alguém de um sono profundo para depois deixá-lo voltar ao sonho da narrativa. Acho que só me interessa esse leitor no estado de vigília, caminhando pelo labirinto de linguagem. A metalinguagem, no romance, para além de fazer uma reflexão sobre a natureza da literatura, acaba se tornando um jogo de esconde-esconde, um playground com brinquedos quebrados e crianças estranhas querendo brincar. É talvez por aí que faz sentido usar metalinguagem, se não acaba virando um exercício narcisista de não dizer nada. 

Samarone Lima

Gostaria de saber mais sobre o tema deste livro (e de certa forma também dos anteriores): a memória, a influência das lembranças na formação de um indivíduo. Qual papel da memória em sua literatura?
Na minha poesia, a memória é onde tudo começa. No livro anterior ela já estava muito presente, mas agora assumiu um papel ainda maior. É como se houvesse uma liberação. Sou do Crato, no Ceará, mas vivi em outras cidades e saí de Fortaleza os 18 anos, para viver no Recife. Toda a minha família permaneceu. Nos poemas, há uma constelação de pessoas que me tocam, porque foram responsáveis de alguma forma pelo que sou. A distância não desfez os laços, mas os aprofundou. É como uma louvação aos que vieram antes. Na última viagem que fiz ao Crato, ganhei vários poemas de presente. 

Saiba mais

AUTORES - Além deste primeiro romance, Wellington já lançou "O diálogo das coisas" (2007), "[desvirtual provisório]" (2008), "O peso do medo: 30 poemas em fúria" (2010) e "O caçador de mariposas" (2013). Samarone publicou, em 2012, o livro "Viagem ao crepúsculo", composto por crônicas sobre o período em que passou em Cuba. 


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