Hugo Viana
O conto de fadas é exemplo de um gênero literário pouco compreendido, geralmente interpretado na tendência superficial de gerar narrativas infanto-juvenis. Um dos mestres desse tipo de literatura, o escritor britânico J.R.R. Tolkien (1892-1973), autor da série clássica "O senhor dos anéis", reflete sobre a natureza do gênero no livro "Árvore e folha", volume que contém o ensaio "Sobre contos de fadas" e, em seguida, o conto "Folha, de Migalha".
O título desta edição é uma espécie de metáfora para interpretar os dois textos do livro: a árvore e a folha, o macro e o micro; o universo em geral e a parte significativa em particular. Os textos foram escritos no mesmo período (1938-1939), época em que Tolkien começava a desenvolver "O senhor dos anéis" - e, de certa forma, este ensaio permite compreender algumas escolhas estéticas feitas pelo escritor em sua história mais conhecida.
Tolkien parece uma espécie de professor que defende a possibilidade vasta do conto de fadas, limitada apenas pela imaginação criativa de um autor; um voo alto para além de rótulos previamente estabelecidos, interessado em observar as bases que constituem os contos de fadas. Ao longo do ensaio, Tolkien tem como meta responder questões essenciais e ao mesmo tempo sem definição única: o que são contos de fadas? Qual é sua origem? Qual sua utilidade?
O autor pesquisa a gênese e os usos da palavra "fada" como um arqueólogo, observando a herança e a difusão cultural, em diferentes épocas, revelando histórias que desdobram o sentido das lendas. Tolkien parte da imagem tradicional da fada (consideradas, em geral, "seres sobrenaturais de tamanho diminuto, que a crença popular supõe possuírem poderes mágicos") para então investigar seus papéis na história da ficção literária.
Depois de sugerir respostas e percursos para as questões iniciais, Tolkien assina um conto que, de certa forma, exemplifica e aprofunda ideias apresentadas inicialmente como teorias e suposições instintivas. "Folha, de Migalha" é uma narrativa curta cujo início é estruturado a partir de códigos da literatura infantil (especialmente no uso do clássico início "Era uma vez"), mas aos poucos o autor insere ideias que podem revelar a potencialidade dramática de metáforas abertas à interpretação.
É uma narrativa sobre a jornada de Migalha, um pintor que "precisa fazer uma longa viagem". Nos anos seguintes à publicação, diferentes leitores passaram a ver na trajetória de Migalha uma relação, através de alegorias, com o percurso do próprio Tolkien. Nesse sentido, é particularmente reveladora a (auto?) análise que o escritor faz de seu personagem: um pintor "não de muito sucesso", porque tinha coisas "aborrecidas" para fazer, e "fazia-as razoavelmente bem" - um personagem que resmungava, perdia a paciência e praguejava "quase sempre para si mesmo".
Migalha "tinha quadros em andamento, em sua maioria grandes e ambiciosos demais para sua habilidade" (na época Tolkien se dedicava à escrita de "Senhor dos anéis"). Se a teoria apresentada por pesquisadores ávidos esconder alguma verdade, o tempo provou que qualquer receio do autor sobre o alcance de seu talento não resistiu no choque com a realidade - gerações de leitores que se formaram nas décadas seguintes encontraram qualidades em seus projetos.
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