domingo, 19 de janeiro de 2014

A literatura pernambucana que resiste fora do eixo

Hugo Viana

    Bruno Liberal

A atual produção literária de Pernambuco vem recebendo elogios, crescendo com o esforço de escritores que desenvolvem projetos pessoais; ao mesmo tempo, autores que moram no Interior do Estado, mesmo apresentando vigor criativo, não recebem reconhecimento equivalente. Essa situação parece sugerir a existência de fronteiras que dificultam o acesso a autores que gradualmente constroem uma trajetória relevante. 

Uma das revelações recentes é Bruno Liberal, de Petrolina, que venceu, ano passado, a primeira edição do Prêmio Pernambuco de Literatura (a segunda edição está com inscrições abertas), com o livro de contos “Olho morto amarelo”. A conquista rendeu ao escritor a certeza da publicação, pela editora Cepe, marcada para março. A vitória acabou chamando a atenção para um escritor de talento que, de outra forma, passaria despercebido. 

“O prêmio foi o mecanismo que me jogou na cena pernambucana de literatura”, comenta Bruno. “Antes disso eu era um cara com um sonho e uns textos na gaveta. Apenas. Não há dúvidas que esse tipo de premiação é muito importante para descobrir autores e também reafirmar a qualidade de escritores já consagrados. Mas o prêmio é uma visão fotográfica da realidade do concurso. O que vai fazer do livro uma obra de arte ou não são os leitores”, destaca. 

A surpresa com a revelação de um texto maduro, vindo de um município sem tradição na história literária pernambucana, parece indicar certo desconhecimento da produção contemporânea feita fora do circuito central. Políticas culturais, como o próprio Prêmio Pernambuco, ou ainda festivais e concursos, parecem assumir a importância de mapear esses autores, investigar nomes interessantes e divulgar obras com potencial. 

“A produção literária no Estado nunca se resumiu ao Recife”, destaca Wellington de Melo, escritor e coordenador de literatura da Secretaria de Cultura de Pernambuco. “O que acontece é que o olhar da mídia e de setores da academia não chega a essa produção. Parece que para serem vistos esses escritores precisam desenvolver sua carreira no Recife ou fora. Mas a literatura segue se desenvolvendo no Interior a despeito do nosso desconhecimento”, ressalta. 

O recente movimento de descoberta desses novos autores surge, em grande parte, através de projetos dedicados a examinar renovações na literatura, apresentando, em festivais, a obra de escritores que iniciam percursos autorais. “Temos polos com tradição literária, como Caruaru e Sertânia, e novos como o grupo u-Carbureto, em Garanhuns ou Silêncio Interrompido, em Goiana, os dois com proposta independente de editoração. Há também uma produção forte nas cidades irmãs Petrolina e Juazeiro. O Araripe tem uma jornada literária que ajuda a revelar nomes. Ou seja, há muito por descobrir”, diz o coordenador.


    Wellington de Melo

Autores buscam meios 
para entrar no mercado


 foto: Amanda Pietra (Nivaldo Tenório)

Eventos literários continuam sendo formas efetivas de divulgação para autores fora do Recife. “Embora alguns vejam com maus olhos, acredito que eles se tornaram imprescindíveis”, opina Mário Rodrigues, autor de Garanhuns que, ao lado dos escritores Helder Herik e Nivaldo Tenório, criou o projeto u-Carbureto. “Eventos movimentam economicamente a cadeia do livro, fornecem subsídios financeiros para o autor, além do contato com possíveis leitores”, lista Mário. 

Mesmo lançando livros desafiadores, como o recente “A invenção dos avós”, de Helder (pela u-Carbureto), que mistura formatos, usando contos, poesia e prosa na construção de um sentimento pessoal, e aparecendo em uma quantidade maior de eventos, como os projetos de literatura do Sesc, que levam debates para fora do Recife, escritores do Interior continuam enfrentando dificuldades antigas: a publicação e a distribuição. 

“Como a distribuição da Cepe é restrita, não dá para pensar em uma grande movimentação de marketing”, comenta Bruno. “Estamos desenvolvendo um site de divulgação e um booktrailer. As ações serão focadas na internet. Para alcançar mais leitores é preciso aparecer: palestras, universidades, festas literárias. Para quem não faz parte do círculo de autores que viajam o Brasil a convite de organizadores de eventos, o que resta é fazer barulho na internet”, diz. 

A distância em relação ao Recife parece sugerir que a fronteira - não apenas geográfica, mas também política e econômica -, interfere nos procedimentos do mercado editorial. “O Recife é central, pelo menos em relação a Garanhuns ou Petrolina, mas não é o centro“, avalia Nivaldo Tenório, que lançou, em 2012, “Dias de febre na cabeça”. “Escritores como Raimundo Carrero e Ronaldo Correia de Brito sabem disso e se hoje são reconhecidos é porque são bons”, diz.

O projeto que burlou a geografia 

 foto: Amanda Pietra (Helder Herik)

Projetos editoriais independentes geralmente surgem como uma espécie de resistência às regras impostas pelo mercado. A proposta u-Carbureto, de Garanhuns, tem essa essência; nasceu, inicialmente, em 2005, como um jornal de faculdade, editado por Helder Herik e Mário Rodrigues, na época estudantes, e Nivaldo Tenório. “O propósito era divulgar nossos primeiros textos e, com isso, amadurecer”, ressalta Helder. 

Aos poucos o projeto cresceu; além de apresentar textos dos três autores, surgiram contribuições que aumentaram o alcance do projeto, como dos escritores José Castello, Cristóvão Tezza, Sidney Rocha, Raimundo Carrero e Ronaldo Correia de Brito. “O jornal nos possibilitou trapacear a geografia. Como não era possível habitar o centro, trouxemos o centro até nós. Estabelecemos um diálogo e de algum modo subvertemos nossa condição de gauche”, destaca Nivaldo. 

Em2009, o u-Carbureto deixou de ser apenas um suplemento literário e se tornou um selo editorial, com a publicação de “As plantas crescem latindo”, primeiro livro de Helder. Até agora foram lançados nove obras, entre romances, contos e poesia. “Juntamos um capital inicial e começamos a publicar”, lembra Mário. “Os processos editoriais - a escrita, a preparação, a revisão ortográfica, a diagramação, o projeto gráfico, as fotos, as ilustrações -, ou dominávamos ou tínhamos conhecidos que faziam o serviço como freelancer”, detalha. 

Além de tomar conta dos meios de produção, como geralmente ocorre em editoras independentes, os integrantes da u-Carbureto enfrentam problemas antigos, a distribuição e a divulgação. “É difícil entrar nas grandes livrarias; mesmo que isso aconteça, a exposição seria rápida e irrisória. Contratar um distribuidor é inviável em virtude das baixas tiragens (em média são mil exemplares) e do preço. De modo que a distribuição fica restrita à nossa região e através de sites pessoais e/ou páginas no Facebook”, explica Mário. 

Uma característica importante do mercado em espaços com tradição literária recente é a necessidade de amadurecimento tanto do escritor quanto do leitor. “Aquela ideia ‘romântica’ de jogar tudo no papel, imprimir de qualquer jeito e ser reconhecido como gênio não passa mais pela cabeça de ninguém. Sabe-se da necessidade de leitura; sabe-se da necessidade de acompanhar o que acontece na literatura; sabe-se que a publicação não faz um escritor, mas sim o valor artístico intrínseco à obra. Portanto, o estofo intelectual, digamos assim, não é uma carência. O que falta, numa escala maior, são leitores críticos”, destaca Mário.


 foto: Amanda Pietra (Mário Rodrigues)

2 comentários:

  1. “Temos polos com tradição literária, como Caruaru e Sertânia, e novos como o grupo u-Carbureto, em Garanhuns ou Silêncio Interrompido, em Goiana, os dois com proposta independente de editoração..."

    Esse trecho acima revela certo equívoco. Garanhuns não é um novo polo de literatura. Afirmar isso é externar total falta de conhecimento acerca da cidade. Garanhuns SEMPRE foi um polo de literatura. Para citar uma fonte, quem consultar o livro a "História de Garanhuns", de Alfredo Leite Cavalcanti, verá que a "cidade das flores" foi/é reconhecida no Nordeste pela sua eferverscência cultural. Notadamente quanto as manifestações literárias. Então publicar de maneira independente, reunir grupos de literatos, editar jornais literários nunca foi novidade na cidade, nem no Estado.

    Atenciosamente,

    Wagner Marques
    Escritor Garanhuns

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  2. oi, wagner.

    acho que wellington de melo usa a palavra "novo" para falar sobre o grupo u-carbureto, que tem poucos anos de atividade.

    garanhuns como "polo de literatura", no sentido amplo da ideia, como uma cidade que consegue "exportar" autores ao recife (com a possibilidade de comprar livros nas livrarias daqui), é ainda algo recente - e em certo sentido limitado a um número pequeno de escritores.

    a proposta desta matéria é mostrar alguns desses autores - não só de garanhuns - e destacar como eles precisam ser mais reconhecidos.

    abraço

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